Olá, gente!
Trago para vocês mais um depoimento incrível que servirá de inspiração e
para que conheçam um pouco da realidade profissional e o dia-a-dia de
um(a) Delegado(a) de Polícia.
Nessa semana, dia 3/12, comemorou-se o dia do Delegado de Polícia, uma
carreira que desperta muito interesse e um fascínio nas pessoas. Esse post é também uma homenagem.
Convidei minha colega de concurso, Andréa Griz, para contar-nos como tem
sido o dia-a-dia dela enquanto Delegada da Delegacia de Homicídios
de Olinda/PE. Eu vi Andréa na TV há uns meses quando investigou e
elucidou um caso de grande repercussão e fiquei extremamente feliz de
ver aquela profissional dedicada dando entrevistas.
Eu adorei o depoimento que ela preparou e tenho certeza de que vocês também vão gostar muito! Obrigado, Andréa!
Bom sábado a todos e todas!
Gus, em 8/12 (@holandadiaskershaw)
GUERREIROS ANÔNIMOS
Fui
convidada a falar um pouco sobre minhas primeiras impressões à carreira
de Delegado de Polícia e logo pensei na responsabilidade que
seria essa missão.
Falar sobre essa nobre função abrange muito mais do que estamos acostumados a ouvir dizer.
Estou como Delegada de Polícia há aproximadamente 1 ano e posso dizer que tenho aprendido muito no exercício da função.
Quando
entrei na instituição imaginei a responsabilidade do cargo, mas não
tinha noção do quão importante é a função institucional e social
da carreira policial.
Descobri
um mundo bem diferente do que li nos livros, nas legislações, do que
assisti nas novelas, nas séries, nos filmes e do que já
escutei falar. É outra realidade.
Escolhi
trabalhar com homicídio porque entendo que nele está a investigação por
excelência. Foi uma escolha bem difícil, porém acertada,
hoje eu vejo.
Lembro-me
de ter chegado à delegacia, no meu primeiro dia, e pedido para ver o
quantitativo de inquéritos policiais. Primeiro desafio.
Inúmeros. Não era o que pensava. Pensei que, em que pese algumas
dificuldades, o delegado de polícia tivesse tempo hábil de instruir as
peças de informação e robustecer os elementos de informação, subsidiando
o Ministério Público para a conseguinte ação penal,
afinal de contas, em regra, são 30 dias que temos para isso. Não é
assim. São tantos casos mensais de homicídio e/ou latrocínio que
precisamos priorizar os mais maduros para conseguirmos finalizá-los, sob
pena de não conseguirmos concluir todos com qualidade.
Quando estamos aprofundando uma investigação e bem perto do desfecho
final acontece mais 2 ou 3 casos para iniciarmos as diligências. Só que o
tempo é desfavorável à produção da prova. É preciso ser estratégico nas
escolhas e não podemos negligenciar esse
importante trabalho social que temos o dever de cumprir.
O
combate à criminalidade tem sido diariamente acompanhado pelo Pacto
pela Vida aqui em Pernambuco e nós, Delegados de Polícia, temos
um papel fundamental em sua execução. Precisamos não apenas proceder às
investigações como também nos fazermos mais presentes nas comunidades
carentes. Nos fazemos presentes quando logo após um homicídio já
iniciamos as buscas pelos vestígios, testemunhas
e outros elementos de informação. Isso gera naturalmente a diminuição
de novos homicídios. Mensalmente fazemos esse controle aqui em
Pernambuco.
Apesar das dificuldades consegui enxergar a beleza e nobreza dessa profissão.
Com
um mês de casa recebi um caso de repercussão: um latrocínio de uma
senhora de 74 anos de idade, fundadora de um Bloco Carnavalesco
bem tradicional da localidade “Eu Acho é Pouco”, muito querida e amada
por familiares e amigos. A vítima foi morta por espancamento dentro do
quintal de sua própria residência, cujas portas de entrada não tinham
qualquer sinal de arrombamento. A imprensa
nos procura e começa a buscar pelas primeiras informações, notadamente
por se tratar de um caso bem repercutido na imprensa local e nacional.
Outro desafio. Nunca tinha falado em público dessa forma e minhas falas
não seriam pessoais, mas representativas de
uma autoridade policial. Nas minhas falas iniciais deixei claro que
qualquer informação mais concreta sobre o caso somente seria exposta com
a conclusão do inquérito policial, a fim de não prejudicar o trabalho
das investigações. E assim o fiz. Com a conclusão
da peça investigativa marcamos uma coletiva de imprensa e expus todo o
trabalhado desenvolvido. É importante para o delegado de polícia ter a
consciência de que a divulgação do trabalho faz parte da função
institucional desempenhada. A população, através da
imprensa, cobra por respostas.
Voltando
ao caso de repercussão. Não me achava preparada para a missão, mas não
somos nós quem escolhemos nossos casos. Os desafios precisam
ser encarados e superados. Iniciei as investigações. Fui à casa da
vítima e fiquei por horas analisando e pensando sobre a empreitada
criminosa que ocorreu ali horas atrás, sobre possível autoria e
motivação delitiva, afinal de contas não estava diante de
um caso corriqueiro dos que pegamos na delegacia (cujas vítimas são
pessoas envolvidas no mundo da criminalidade). Estava diante de uma
cidadã sem qualquer relação com ilícitos e com muita vontade de viver.
Na cidade de Olinda cada casa colocou uma bandeira
preta em sinal de luto a BAIXINHA, como era carinhosamente conhecida.
Eu chegava e saía do trabalho, todos os dias, vendo o quão a sociedade
esperava e aguardava por aquele desfecho, pela esperada justiça. Segui
meus instintos e, após cerca de 20 ouvidas,
diversas diligências de cunho investigativo, com 11 dias do fato,
conseguimos chegar à autoria delitiva, bem como a motivação.
Descobri
que o autor do crime foi o jardineiro da vítima e que o crime teve
cunho patrimonial, do que representei por sua prisão temporária.
Após cumprimento do mandado, no interrogatório, o suspeito resistiu
bastante em confessar, em que pese toda a claridade das provas lhe
mostradas. Nesse momento reside a técnica de investigação que vocês
estudarão na academia de polícia. Aplicando-a conseguimos
a
confissão
de toda a prática delitiva, com riqueza de detalhes, na presença de seu
advogado. Liguei para a família da vítima, que apoiou
as investigações desde o início e confiou no nosso trabalho, e dei a
notícia que tanto esperavam. Foi um dos dias mais difíceis que já passei
ao longo desse ano de trabalho. Fizemos a reprodução simulada dos
fatos, com participação consentida do suspeito,
e conseguimos registrar toda a dinâmica daquele crime. Posso dizer que a
experiência que essa investigação me trouxe foi inigualável.
Além
das investigações tradicionais o delegado de polícia que trabalha com
homicídio precisa presidir locais de crime. Aqui nós temos
uma escala de rodízio entre todos os delegados de homicídio. Nesse tipo
de trabalho pude entender que a realidade da vida da maioria das
pessoas está longe de ser a minha (e sua) realidade. Percebi que no
conforto do meu lar eu NUNCA seria capaz de conhecer
e saber como funciona o outro lado. Mais do que um desafio, um
aprendizado. Percebi que nessas horas somos o estado presente, a solução
ao problema instalado, a válvula de escape, o amparo que a sociedade
clama e o início à realização da justiça. Percebi também
que os policiais são verdadeiros guerreiros anônimos da sociedade, pois
muitos crimes são evitados sem sequer as possíveis vítimas terem a
noção do que poderia ocorrer minutos depois, se não fosse aquela
intervenção policial rápida e eficaz.
Lembro
que num desses locais de crime que fui fazer a vítima era um homem de
58 anos de idade, cujo corpo foi encontrado nas pedras da
Praia de Rio Doce, Olinda. Quando cheguei procurei sinais de morte
violenta, mas não encontrei. Após perícia preliminar o caso ficou como
“morte a esclarecer”. Mas não me convenci disso. Depois de conversar
informalmente com familiares e amigos da vítima,
presentes ao local, minha intuição suspeitou de um crime, não de uma
fatalidade. Mas como ficou como morte a esclarecer, em tese, não seria
atribuição do delegado de homicídio. A família da vítima me procurou,
inclusive um dos filhos veio do Rio de Janeiro,
e me pediu para investigar aquele caso. Ele entrou na minha sala e
chorou copiosamente pedindo por ajuda. Numa investigação policial você
precisa separar a razão da emoção, mas nunca poderá deixar de considerar
o tino policial e sua intuição, os quais têm
muito a contribuir. Sem gerar expectativas fui aos poucos conciliando
minhas investigações ordinárias com o caso daquele pai e avô que até
então teve a morte declarada como “a esclarecer”, sem vestígios
imediatos de morte violenta. Eis que após diligências
investigativas conseguimos chegar a um suspeito que devia cerca de
R$10.000,00 à vítima. Esse mesmo suspeito, no mês em que a vítima foi
encontrada morta, trabalhou como vigia numa casa à beira mar de Olinda,
bem em frente do local de crime, e o pior, tinha
presenteado a sua filha justamente com o celular da vítima. Após a
prisão desse suspeito, a família da vítima me procurou para agradecer a
justiça feita. As palavras de agradecimento que me disseram foram muito
fortes. Por mais que eu explicasse que aquele
era o meu trabalho eles só queriam me dizer que eram gratos à polícia.
As
reações dos familiares e amigos quando concluímos um inquérito com
autoria é emocionante. Vejo que a sensação de justiça, para a maioria,
é alcançada com a prisão do suspeito. Mas é de bom alvitre a
consciência de que nem sempre conseguiremos chegar à autoria e
motivação. Muitos casos ficam como diligências em andamento. Vejo muitas
vezes que as testemunhas oculares se calam por medo. É preciso
desenvolver um trabalho de conscientização com essas testemunhas,
inclusive refletir mais sobre o uso de pseudônimos, por isso a
importância de um trabalho integrado com o Ministério Público e o
Judiciário.
Confesso
ser instigante concluir um inquérito policial com a respectiva autoria,
mas também precisamos entender que quando não a alcançamos
é porque algumas nuances existem e não podem ser desprezadas, a exemplo
das testemunhas que não falam por medo (como dito acima). O estado não
consegue se fazer onipresente e é nesse momento que reside a falta de
segurança que impede muitas testemunhas de
relatarem tudo o que viram acontecer, pois residem em localidades em
que há a presença e o comando do tráfico de drogas, do que se sentem
ameaçadas a colaborar com o trabalho da polícia. Vocês vão perceber que
às vezes o tempo irá contribuir e uma reinquirição
pode nos surpreender. Após o passar do tempo a testemunha consegue
falar. Nesse momento reside a paciência do investigador.
Um
certo dia vindo para a Delegacia que trabalho recebi informes de um
feminicídio ocorrido em um Motel próximo. Um homem que já vinha
cercando sua vítima, ofertando ajudas, pagamento de aluguel para sua
nova residência, tornando-se cada vez mais próximo dela, em um certo
momento se sentiu no direito de “cobrar” àquela mulher da pior forma e
essa “cobrança” lhe custou a própria vida. Saímos
em busca do autor e conseguimos prendê-lo em flagrante delito.
Retornando à delegacia encontro os irmãos da vítima me aguardando e dou a
notícia da prisão do suspeito. Nunca vou esquecer a reação daquele
cidadão, ali na minha frente, que se curvou, rezou e
agradeceu pela justiça feita. Fiquei bem assustada e não sabia o que
fazer. Respondi ao irmão da vítima que minha maior vontade era ter
trazido a vida da irmã dele de volta, mas isso não seria mais possível. E
ele me disse que diante das circunstâncias da
vida já se dava por satisfeito pela justiça realizada. Ele disse também
que há duas semanas comentou que não acreditava mais na justiça
brasileira, mas diante daquele fato as esperanças no trabalho da polícia
foram renovadas. Ali eu vi o quanto fazemos a diferença.
Na
atividade policial conheci um mundo completamente diferente do que fui
apresentada até meus 36 anos de idade. Fiz locais de crime com
corpo estendido ao chão e crianças jogando bola, andando de velocípede,
bem ao lado, como se nada de diferente estivesse acontecendo. Como
disse, existe uma realidade do outro lado que somente conseguimos
conhecer quando trabalhamos em prol da sociedade, o
que demanda conhecer suas reais necessidades.
Mas na Polícia vejo muita solidariedade entre os colegas, principalmente
nas comunidades carentes, e vejo também muita gente trabalhando por
amor. O maior orgulho e a melhor recompensa para o policial, é aliar as
atividades do dia a dia com o servir ao próximo.
É apaixonante.
Diante das dificuldades rotineiras da atividade policial me pergunto o
motivo pelo qual diariamente me sinto motivada a trabalhar. A motivação
surge da sensação prazeirosa de fazer justiça e isso é algo
indescritível. É uma recompensa que alimenta a nossa alma
e nos impulsiona a querer cada vez trabalhar mais.
Vale
salientar que a polícia não trabalha sozinha. É importante o
desenvolvimento de um trabalho parceiro entre Polícia, Ministério
Público
e Poder Judiciário, cujo trabalho integrado visa a garantir maior
celeridade na resposta que a sociedade quer (e precisa)
receber. Precisamos sair dos nossos gabinetes e irmos ao encontro das
outras instituições, a fim de garantir uma maior sinergia e celeridade
no serviço social que todos prestamos juntos.
Vocês que querem ser Delegados de Polícia saibam que serão verdadeiros
heróis da sociedade. A função demanda muita responsabilidade com o
próximo. O trabalho é bem desafiador, a estrutura ainda tem muito a
melhorar, mas lhes garanto que é recompensadora a atividade
policial. Poder devolver à sociedade a sensação de segurança, a
liberdade de ir e vir, a restituição à normalidade, a investigação com
indiciamento daqueles que se afastaram do âmbito de incidência da
legalidade e se envolveram com a criminalidade, é gratificante.
A quem escolher ser Delegado (a) de Polícia posso garantir, por
experiência própria, que a vida nunca mais será a mesma. Será muito
melhor.
ANDRÉA GRIZ
(@deagriz)
DELEGADA DE POLÍCIA
Delegacia de Homicídios de Olinda/PE
Motivador.
ResponderExcluirMaravilhoso depoimento. Deu até vontade de ser delegada!
ResponderExcluirPrecisamos de mais servidores com esse perfil, comprometidos e apaixonados pela função que exercem.
Sensacional!
ResponderExcluirExcelente depoimento!
ResponderExcluirSó posso externar minha gratidão. Que seu coração continue firme até o fim.
ResponderExcluirSó queria saber qual seria o critério de seleção que ela usa para priorizar os casos de homicídio: raça, sexo, cor, condição social, repercussão na mídia, retorno midiático?
ResponderExcluirEssa série de depoimentos está fantástica! Ansiosa por mais carreiras
ResponderExcluirSensacional!
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