Dicas diárias de aprovados.

PROJETO 30ºCPR: COMENTÁRIOS À PROVA SUBJETIVA DO 29º CPR

COMENTÁRIOS ÀS QUESTÕES (G1, PEÇA)

Queridxs concurseixs, como estão?

Vocês sabem que este site foi idealizado para ajudar vocês nesta caminhada rumo à aprovação no concurso desejado. E o concurso do MPF, o mais temido, o mais difícil do país, é um deles.

Pensando nisso e após um debate interessante com alunos de um curso preparatório para o MPF do qual participo, resolvi postar alguns comentários à prova subjetiva do 29ºCPR. Estes comentários não serão exaurientes e não pretendo, de forma alguma esgotar todas as possibilidades de resposta ou de comentários dos temas afetos à questão e/ou peça.


Estes comentários são possíveis, sobretudo, em razão da disponibilização de algumas provas subjetivas de colegas que recém ingressaram na carreira.

Utilizarei as provas subjetivas de alguns deles, corrigida pelos examinadores, para ser a minha base para iniciar os comentários. Quando copiar eventual resposta ideal e que, por acaso, tenha obtido nota máxima, nominarei os colegas.

Espero que isso ajude os que estão na caminhada. E espero que sirva de inspiração para os concurseiros irem atrás de pesquisar, procurar doutrina, jurisprudência para esclarecer suas dúvidas. Ação faz parte da caminhada e, tenham certeza, que nada vem fácil nisso.

Bem, feita esta pequena introdução, vamos começar do início (pleonasmo doloso porque sou dessas): comentarei a peça de Direito Constitucional do Grupo 1.

GRUPO 1
PRIMEIRA PARTE

Dissertação
Caio x ingressou, em dezembro de 2005, com ação ordinária contra a União Federal e a Fundação Nacional do Índio-FUNAI, com o propósito de impedir o início dos estudos tendentes à declaração de posse tradicional de indígenas guarani sobre a área que afirma ser de sua propriedade.

Alega que a área em disputa é a Fazenda Pasárgada, cujo título foi registrado em seu nome, em 1965, e que, desde então, exerce de forma plena e pacífica sua posse, sem qualquer registro de presença indígena.
Processada regularmente a ação e oferecidas contestações pelas rés, o juiz deferiu a realização de perícia, nomeando antropólogo para análise da existência ou não de posse tradicional indígena na área em questão.

O laudo foi apresentado em março de 2007, informando basicamente que (i) a Fazenda Pasárgada fazia parte de uma área mais extensa, ocupada, desde o século XIX, por indígenas guarani, que a designavam Tekoha Ñanderu; (ii) no início dos anos 60 do século XX, começou o processo de expulsão dos indígenas da Fazenda Pasárgada, com a titulação de sua propriedade em nome do autor, na data indicada na respectiva escritura pública; (iii) no momento da elaboração do laudo, não havia habitações indígenas na área da fazenda; (iv) os índios guarani têm, ainda nos dias atuais, suas habitações em área contígua à fazenda, mas nela ingressam com muita frequência, mediante destruição da cerca, pois é o local tradicional de caça e coleta; (v) desde a expulsão da Fazenda Pasárgada, o cacique do grupo encaminhou, primeiro ao presidente do antigo Serviço de Proteção ao Índio e depois ao presidente da FUNAI, vários pedidos para que os órgãos atuassem no sentido de lhes devolver essa área.

Ao final, em sentença publicada em agosto de 2010, o juiz julgou procedente a ação, fundamentando-se, em síntese, no caso Raposa Serra do Sol (Pet 3388), julgado pelo Supremo Tribunal Federal, com acórdão publicado em 1/07/2010. Entendeu que estavam ausentes os pressupostos dispostos no precedente do STF: ocupação indígena na área disputada, em outubro de 1988, e demonstração de esbulho renitente. No que diz respeito a esse último, explicitou: tem que haver conflito possessório que, mesmo iniciado no passado, ainda persista até a promulgação da Constituição de 1988, e se materialize por circunstâncias de fato ou por uma controvérsia possessória judicializada.

O Ministério Público Federal, que participou regularmente do processo, foi intimado da sentença.
Apresente recurso (sem necessidade de discorrer sobre as formalidades legais de admissibilidade), cujas razões estejam limitadas a uma preliminar de nulidade da sentença e ao enfrentamento de questões de mérito (Responder em até 80 linhas. O que ultrapassar não será considerado)
Prova subjetiva 29ºCPR: fonte site do MPF/PGR

O caso que a examinadora Deborah Duprat se baseou para fazer a Dissertação foi o Caso Fazenda Santa Bárbara/Aldeamento Indígena Limão Verde debatida nos autos do processo AgRegRE 803.462/MS e que foi objeto de artigo da mencionada examinadora (se quiser ler o artigo, clique aqui). A leitura do artigo já dá os direcionamentos para elaborar a peça solicitada na dissertação.

Qual era o recurso a ser elaborado? Apelação (art. 513, do CPC/1973 ). 

Como se viu, a examinadora já dispensou o(a) candidato(a) de escrever sobre os requisitos de admissibilidade da apelação. Então, bastava fazer uma mini petição de interposição já com as razões. 

Nesta mini petição, o candidato deveria ocupar o mínimo de linhas possíveis dada a restrição de linhas imposta e em destaque acima.
Temas imprescindíveis a serem abordados na fundamentação da apelação:

a) preliminar de nulidade da sentença
A sentença é nula porque não houve integração do polo passivo pelos indígenas e, desta forma, houve violação ao contraditório e à ampla defesa. De acordo com a Constituição Federal, art. 232, “Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesse(...)”. Além disso,  “o princípio do contraditório exige que as partes que contestam sejam contempladas com idênticas oportunidades. Portanto, é indispensável permitir ao grupo indígena que verbalize a representação que tem dos fatos.” (trecho do artigo mencionado no link acima). Não se desconhece que o art. 35, da Lei nº 6.001/1973 (Estatuto do Índio) dispõe que “Cabe ao órgão federal de assistência ao índio a defesa judicial ou extrajudicial dos direitos dos silvícolas e das comunidades indígenas”. Todavia, tem-se que os índios possuem plena capacidade de estar em juízo, não somente de acordo com a CRFB/1988, mas também em conformidade com art. 12, da Convenção 169 da OIT (“Os povos interessados deverão ter proteção contra a violação de seus direitos, e poder iniciar procedimentos legais, seja pessoalmente, seja mediante os seus organismos representativos, para assegurar o respeito efetivo desses direitos. Deverão ser adotadas medidas para garantir que os membros desses povos possam compreender e se fazer compreender em procedimentos legais, facilitando para eles, se for necessário, intérpretes ou outros meios eficazes”). Ainda, vale mencionar que a própria Convenção 169 da OIT, em seu artigo 6º, impõe o dever de consulta aos povos interessados, nos âmbitos legislativo e executivo, o que deve ser estendido, sobremaneira, ao judiciário os “quais terão o direito de definir suas próprias prioridades no processo de desenvolvimento na medida em que afete sua vida, crenças, instituições, bem-estar espiritual e as terras que ocupam ou usam para outros fins, e de controlar, na maior medida possível, seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural”.

Desta maneira, entende-se que o art. 35, do Estatuto do índio não foi recepcionado pela CRFB/1988 e, no caso, houve vulneração do art. 7º, do CPC/1973. Concluindo, os efeitos do não chamamento dos indígenas como litisconsorte passivo necessário é a nulidade de todos os atos processuais. 

b) Legitimidade do MPF e a competência da Justiça Federal: aqui o(a) candidato(a) deveria utilizar poucas linhas. Este parágrafo está, quase sempre, presente nas petições iniciais que são objeto de prova subjetiva no Concurso. 

Neste caso, não era essencial, mas é sempre bom destacar. A atribuição é do MPF tendo em vista o art. 37, inciso II, da Lei Complementar nº 75/1993 e a competência da JF se constata pela aplicação do art. 109, incisos I e XI, da CRFB/1988. A legitimidade recursal do MPF decorre do art. 81 e 83, ambos do CPC/1973.

b) No mérito
b.1) Ausência de caráter vinculante das condicionantes do Caso Raposa Serra do Sol (Pet 3388)

No julgamento dos Embargos de Declaração do Acórdão do referido caso, o STF deixou bem claro o seguinte “A decisão proferida em ação popular é desprovida de força vinculante, em sentido técnico. Nesses termos, os fundamentos adotados pela Corte não se estendem, de forma automática, a outros processos em que se discuta matéria similar.” Por dever de honestidade, é certo que o STF, na mesma ocasião, destacou que eventual superação dos argumentos lançados nas condicionantes aplicadas no caso Raposa Serra do Sol, decisão esta da máxima Corte do país, exigiam um ônus argumentativo relevante.

Igualmente, não é possível a aplicação automática, acrítica e sem a devida análise dos fatos e provas dos autos. 

Mesmo não concordando com os contornos do direito indígena aplicados no caso em questão, a seguir, este órgão ministerial demonstrará o preenchimento dos aludidos requisitos, notadamente no que diz respeito ao Fato Indígena, de acordo com as provas constantes nos autos.

b.2) Efetiva ocupação indígena na área e demonstração do esbulho renitente.

A expressão “Fato Indígena” foi cunhada pelo Ministro Nelson Jobim e é definida pelo concurso dos seguintes elementos: “(i) fator temporal: habitação permanente de indígenas com a possibilidade de demonstração da base ou do núcleo da ocupação das terras indígenas, a partir do qual as demais expressões dessa ocupação devem ser manifestar; (ii) fator econômico: as terras devem ser utilizadas para suas atividades produtivas; são os locais necessários à subsistência e produção econômica (como campos de caça, pesca, coleta e cultivo, por exemplo); (iii) fator ecológico: as terra devem ser imprescindíveis à preservação dos recursos naturais necessários a seu bem estar; (iv) fator cultural e demográfico: as terras devem ser necessárias a sua reprodução física e cultural (manifestações culturais da comunidade, cemitérios, locais religiosos e destinados a práticas rituais), bem como a outras atividades próprias a sua organização social e econômica.” (trecho do artigo mencionado no link)

Assim sendo, “uma vez demonstrada a presença dos índios em determinada área na data da promulgação da Constituição (5/10/1988) e estabelecida a extensão geográfica dessa presença, constatado o fato indígena por detrás das demais expressões de ocupação tradicional da terra, nenhum direito de cunho privado poderá prevalecer sobre os direitos dos índios” (trecho do artigo mencionado no link)

De acordo com o laudo antropológico existente no processo, a Fazenda Pasárgada fazia parte de extenso território do Tekoha Ñanderu. Os índios permaneceram na região, de forma massiva, até a década de 1960, quando foram de lá expulsos. 

A Constituição da República de 1934, que inaugurou a proteção constitucional das terras indígenas, já determinava a nulidade de todos os títulos incidentes sobre terras indígenas. Este entendimento era defendido, inclusive, pelo Supremo Tribunal Federal. Os textos constitucionais a ela posteriores reforçam essa convicção, na medida em que representam inegável evolução no trato da matéria.

Ademais, a validade dos títulos expedidos em favor do autor está condicionada à ausência de indígenas na época. Na espécie e de acordo com o laudo antropológico, os indígenas foram expulsos de suas terras pouco antes da expedição do título de propriedade. 

Então, concluiu-se que ainda permaneceu a proteção constitucional já que a ausência do grupo indígena não decorreu de ato voluntário, mas sim de esbulho.

A comprovação do esbulho ocorreu através dos ofícios encaminhados, por parte dos indígenas, ao extinto serviço de proteção indígena e à FUNAI, conforme comprovado nos autos, solicitando a adoção de providências para assegurar os direitos dos índios. Não se pode exigir dos índios o ajuizamento de ação judicial possessória para que fique caracterizado à resistência ao esbulho. Com efeito, à época do esbulho vigorava o regime tutelar e os índios não possuíam capacidade civil, tampouco processual para iniciar qualquer processo, sem a necessária ação da FUNAI ou do SPI. 

Com a omissão destes órgãos, não havia outra conduta a ser exigida dos indígenas. É necessária a definição de esbulho renitente sob a ótica dos indígenas e não só da sociedade envolvente. “Se prevalece a compreensão do direito estatal como corpo de normas objetivo, neutro e determinado – visão por muito tempo naturalizada – desfaz-se o compromisso com a pluralidade. Um significado aparentemente claro da norma atesta apenas a hegemonia de uma interpretação específica.” (trecho do artigo mencionado no link) 

Desta maneira, comprovou-se que houve o esbulho renitente.

Afora isso, houve a comprovação, de acordo com o laudo antropológico, da existência de ocupação até os dias atuais, uma vez que os índios praticam caça e coleta de alimentos dentro da Fazenda Pasárgada. A conclusão é de que a Fazenda Pasárgada “é de ocupação tradicional indígena, qualquer que seja a perspectiva, de outrora ou a atual, com os parâmetros estabelecidos no caso Raposa Serra do Sol.” (trecho do artigo constante no link) 

c) Laudo pericial e o princípio da confiança legítima

Tem-se que o laudo pericial foi elaborado e apresentado em 2007, ou seja, anos antes da publicação do acórdão do caso Raposa Serra do Sol (publicado em agosto de 2009 e republicado em julho de 2010).

Ainda que o requisito da ocupação em 5 de outubro de 1988 tenha sido, de certa forma, insinuado na jurisprudência do STF, especialmente no caso que deu ensejo à Sumula 650-STF, o foi lateralmente, porque a ação versava sobre disputa de dominialidade entre União e Estado membro. Quanto ao 'esbulho renitente', é uma figura introduzida no julgamento da Raposa.
De modo que o perito, quando da elaboração de seu laudo, não tinha como antecipar que esses eram elementos que deveriam ser tratados detidamente na definição da espacialidade” (trecho do artigo mencionado no link) do aldeamento indígena em questão. Nem havia como estipular critérios sobre este tema a serem respondidos pelo perito.

A suprema Corte já admitiu a modulação dos efeitos de decisões proferidas em sede de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade, notadamente daquelas que representam uma mudança de jurisprudência ou critério de interpretação de normas, a fim de observar o princípio da segurança jurídica. Tal modulação deveria ter vez quando do julgamento do Caso Raposa Serra do Sol tendo como referência existência de laudo antropológico já acostado aos autos. “O comprometimento, no caso, não é só da segurança jurídica, mas da própria noção de justiça, pois demandas que envolvem direitos fundamentais são decididas sem que se incorporem ao processo as informações essenciais à tomada de decisão. Com isso, tal como ocorre com a Fazenda(...), há a possibilidade de uma nova desterritorialização dos indígenas, quando os requisitos necessários ao reconhecimento de suas terras tradicionais estavam presentes, mas invisíveis aos olhos do julgador.” (trecho do artigo constante no link)

d) Pedido

Assim, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer o conhecimento e provimento da presente apelação a fim de que:

a) seja reconhecida a nulidade da sentença por ausência de citação de litisconsorte passivo necessário (os indígenas), com o retorno dos autos para a primeira instância a fim de o autor promova a citação de inclusão dos indígenas e se reinicie toda a produção probatória, com a eventual complementação do laudo antropológico;

b) acaso não seja acatada a preliminar, diante das provas carreadas aos autos, reforme a sentença de primeiro grau, reconhecendo a posse indígena na área em questão e a possibilidade de início dos estudos a cargo da FUNAI.

Local, data.
PROCURADOR DA REPÚBLICA


Algumas observações:
a) Sim, gente, eu sei que o CPC vigente é o de 2015. Contudo, a sentença foi proferida em 2010, logo o CPC vigente à época era o de 1973;
b) quando o examinador põe datas na peça, prestem atenção! Não é à toa. No caso, ela queria que mencionasse que o Caso Raposa Serra do Sol era posterior ao laudo. Sempre tentem saber o motivo das datas (prescrição, nova lei, etc etc etc);
c) ficou mais longo do que eu queria mas as ideias principais acho que são essas mesmo;
d) ESTE POST NÃO ESGOTA AS POSSIBILIDADES DE FUNDAMENTAÇÃO DA APELAÇÃO NO CASO APRESENTADO;
e) veja a importância de saber artigos publicados pelos examinadores. Fiz o post todo baseado em um artigo da examinadora que cuidava do caso base da questão.

Analisarei as próximas questões nos próximos posts.

Abraços e bons estudos,
Hayssa Medeiros, em 07.02.2019.
no twitter: @hayssakmedeiros
no Instagram: @hayssamedeiros

6 comentários:

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