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FAZENDA PÚBLICA EM JUÍZO: CAPACIDADE PROCESSUAL DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS

Olá colegas, inicialmente gostaria da ajuda de todos para definir os temas a serem objetos das próximas postagens, qualquer sugestão será ótima. 

Conforme combinados, segue a postagem acerca de temas relacionados a Fazenda Pública em juízo. Hoje, falaremos um pouco sobre a capacidade processual dos órgãos públicos:


O Estado, como pessoa jurídica que é, não possui vontade própria, devendo expressar tal vontade por meio de órgãos, que por sua vez são ocupados por agentes públicos.
Visando a explicar a relação existente entre Estado e seus agentes surgiram várias teorias, até se chegar na hoje unânime teoria do órgão.
Desse modo, em um primeiro momento, surge a teoria do mandato afirmando que o agente público age como mandatário da pessoa jurídica, representando-a. A grande crítica a essa teoria reside no fato de não ter conseguido explicar como o Estado outorga a respectiva procuração.
Em crítica a teoria anterior surge a teoria da representação, sustentando que o agente público é representante legal do Estado, agindo em seu nome a exemplo do que se dá em casos de curatela e tutela.
Por fim, desenvolve-se a posição hoje predominante conhecida como teoria do órgão, “segundo a qual as pessoas jurídicas expressam a sua vontade através de seus órgãos, titularizados por seus agentes (pessoas humanas), na forma de sua organização interna”.[1]
Em outras palavras, “a pessoa jurídica manifesta a sua vontade por meio de órgãos, de tal modo que quando os agentes que os compõem manifestam a sua vontade, é como se o próprio Estado o fizesse; substitui-se a ideia de representação pela de imputação”.[2] 
Nesse sentido, a vontade do órgão é a própria vontade da entidade na qual ele está inserida, manifestada por meio de seus agentes, quer os regularmente investidos, quer aqueles que se encontram em situação irregular, conhecidos como servidores de fato.
Como decorrência da adoção da teoria do órgão, esse pode ser conceituado como “o compartimento na estrutura estatal a que são cometidas funções determinadas, sendo integrados por agentes que, quando as executam, manifestam a própria vontade do Estado”.[3]
Ou ainda são “círculos de atribuições, os feixes individuais de poderes funcionais repartidos no interior da personalidade estatal e expressados através dos agentes neles providos”.[4]
Nesse sentido, o órgão público nada mais é do que um feixe de atribuições (teoria objetiva) formado por funções, cargos e agentes, mas inconfundíveis com tais elementos que o integram.
Do fato de os órgãos serem considerados feixe de atribuições, chega-se a conclusão de que não possuem personalidade jurídica, integrando, na realidade, a estrutura administrativa da entidade a que pertencem. Outra não é a conclusão de Helly Lopes Meirelles:

Os órgãos integram a estrutura do Estado e das demais pessoas jurídicas com partes desses corpos vivos, dotados de vontade e capaz de exercer direitos e contrair obrigações para a consecução de seus fins institucionais. Por isso mesmo, os órgãos não tem personalidade jurídica nem vontade própria, que são atributos do corpo e não das partes, mas na área de suas atribuições e nos limites de sua competência funcional. Expressam a vontade da entidade a que pertencem e a vinculam por seus atos, manifestados através de seus agentes (pessoas físicas). Como partes das entidades que integram, os órgãos são meros instrumentos de ação dessas pessoas jurídicas preordenados ao desempenho das funções que lhes forem atribuídas pelas normas de sua constituição e funcionamento. Para a eficiente realização de suas funções cada órgão é investido de determinada competência, redistribuída entre seus cargos, com a corresponde parcela de poder necessária ao exercício funcional de seus agentes.[5]

Ora, se a vontade do órgão é atribuída à pessoa jurídica dentro da qual ele está inserido, resta claro que quem possui atribuições para estar em juízo em nome do órgão é essa própria entidade a quem se imputa a manifestação da vontade do agente.
Sendo assim, o órgão não pode, como regra, estar em juízo na defesa de seus interesses, por não ter capacidade processual, ou seja, não é idôneo para figurar em qualquer dos polos da relação processual. Estar-se-ia diante da falta de um pressuposto processual de existência da relação processual, qual seja, a capacidade de estar em juízo, o que levaria à extinção do processo sem resolução de mérito.
Assim, por exemplo, proposta eventual ação de indenização contra a Câmara Municipal tal ação deve ser extinta sem resolução de mérito, pois o legitimado para figurar no polo passivo é o respectivo Município e não a Câmara Municipal que é mero órgão administrativo.
Entretanto, recentemente tal entendimento foi flexibilizado tanto pela doutrina, como pela jurisprudência, para se admitir, excepcionalmente, que o órgão público possa estar em juízo a fim de defender suas prerrogativas institucionais.
Outra não é a conclusão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MINISTÉRIO PÚBLICO. REQUISIÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS DO EXECUTIVO MUNICIPAL. POSSIBILIDADE. RECURSO NÃO-PROVIDO. 1.  Cuida-se de recurso em mandado de segurança interposto pela Câmara Municipal de Entre Rios contra acórdão proferido em sede de mandado de segurança assim sumulado (fl. 64): "Mandado de Segurança. Direito Constitucional. Processo Civil. Câmara Municipal. Capacidade Judiciária. Legitimidade para Propositura de Mandamus. Requisição de Contas do Executivo Municipal pelo Ministério Público. Legalidade. 1. A Câmara Municipal tem capacidade processual para impetrar writ com escopo de defender suas prerrogativas. 2. O artigo 31, § 3º, da Constituição não pode ser interpretado de forma a vedar a fiscalização do Ministério Público. 3. O ordenamento constitucional assegura ao Parquet plenos poderes para investigar o respeito aos direitos insculpidos na Carta Política. 4. A Administração Pública é regida pelo Princípio da Publicidade, não podendo se furtar ao controle popular. 5. Ordem denegada." A recorrente pugna pela reforma do julgado ao pálio de argumentação assim sintetizada: a) é ilegal, inconstitucional e abusiva a requisição, pelo Ministério Público, dos documentos relativos aos autos de prestação de contas do executivo municipal durante o prazo de acesso dos contribuintes nos termos do artigo 31, § 3º, da Constituição Federal; b) só detém legitimidade para ter acesso às contas o contribuinte do município, sujeito passivo tributário assim definido no artigo 156 da Constituição Federal; c) o mandamus não se voltou contra o acesso do MP às contas do chefe do Executivo Municipal mas, sim, a retirada do original da Sede Legislativa durante o prazo de sessenta dias, o que implica redução do direito subjetivo dos contribuintes. 2. O Ministério Público detém amplos poderes de investigação podendo, inclusive, requisitar informações de órgãos públicos na forma estabelecida pelos artigos 129,II e VI, da Constituição Federal e artigo 26, I, da Lei 8.625/98. In casu, inexiste direito líquido e certo do impetrante a ser amparado na via mandamental. 3. Recurso ordinário não-provido.[6]

E ainda:

DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. CAPACIDADE RECURSAL. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Doutrina e jurisprudência entendem que as Casas Legislativas – câmaras municipais e assembléias legislativas – têm apenas personalidade judiciária, e não jurídica. Assim, podem estar em juízo tão-somente na defesa de suas prerrogativas institucionais. Não têm, por conseguinte, legitimidade para recorrer ou apresentar contra-razões em ação envolvendo direitos estatutários de servidores. 2. Tratando-se a hipótese dos autos de ação ordinária em que o autor, ocupante de cargo em comissão no quadro de servidores da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, pleiteia o reconhecimento de seu direito à aposentadoria, a legitimidade para interpor o recurso especial contra acórdão que julgou procedente em parte o pedido é da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, tendo em vista que tal matéria extrapola a mera defesa das prerrogativas institucionais da Assembléia Legislativa, assim compreendidas aquelas eminentemente de natureza política. Precedentes do STJ. 3. Agravo regimental improvido.[7]

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO – DEFESA JUDICIAL DE ÓRGÃO SEM PERSONALIDADE JURÍDICA – PERSONALIDADE JUDICIÁRIA DA CÂMARA DE VEREADORES. 1. A regra geral é a de que só os entes personalizados, com capacidade jurídica, têm capacidade de estar em juízo, na defesa dos seus direitos. 2. Criação doutrinária acolhida pela jurisprudência no sentido de admitir que órgãos sem personalidade jurídica possam em juízo defender interesses e direitos próprios, excepcionalmente, para manutenção, preservação, autonomia e independência das atividades do órgão em face de outro Poder. 3. Hipótese em que a Câmara de Vereadores pretende não recolher contribuição previdenciária dos salários pagos aos Vereadores, por entender inconstitucional a cobrança. 4. Impertinência da situação excepcional, porque não configurada a hipótese de defesa de interesses e prerrogativas funcionais. 5. Recurso especial improvido.[8]

Conclui-se, desse modo, “que essa excepcional personalidade judiciária só é aceita em relação aos órgãos mais elevados do Poder Público, de envergadura constitucional, quando defendem suas prerrogativas e competências”.[9]

Questões de concursos:
(BACEN/PROCURADOR/2009/CESPE) Por não possuírem personalidade jurídica, os órgãos não podem figurar no pólo ativo da ação do mandado de segurança.
Gabarito: E.
(BACEN/PROCURADOR/2009/CESPE) Por não possuírem personalidade jurídica, os órgãos não podem figurar no pólo ativo da ação do mandado de segurança.
Gabarito: E


Até breve pessoal, e bom feriadão a todos.






[1] MEIRELLES, Helly Lopes.  Direito Administrativo Brasileiro. 35. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 68.
[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2010. p. 437.
[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 22. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 15.
[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 145.
[5] MEIRELLES, Helly Lopes.  Direito Administrativo Brasileiro. 35. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 69.
[6] RMS 21.419/BA, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/08/2006, DJ 14/09/2006, p. 256, grifo nosso.
[7] AgRg no REsp 949.899/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 11/12/2008, DJe 02/02/2009, grifo nosso.
[8] REsp 649.824/RN, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/03/2006, DJ 30/05/2006, p. 136, grifo nosso.
[9] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 22. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 16.

4 comentários:

  1. Poste como era seu dia a dia.. para conseguir conciliar trabalho/estudo. .

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  2. Poste como era seu dia a dia.. para conseguir conciliar trabalho/estudo. .

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  3. Boa tarde, Eduardo. Se puder comentar, gostaria de saber como é a rotina de trabalho na PU, se a quantidade de trabalho é absurda ou se os Advogados da União conseguem dar conta de todo o serviço de maneira tranquila. Ademais, uma coisa que é sempre objeto de questionamento é acerca de assessoria, existe alguma? Se sim, como ela funciona? Abraço e, desde já, muito obrigado e parabéns pela iniciativa!

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  4. Fellipe, o volume de trabalho varia muito de Unidade. Em Brasília há várias lotações tranquilas, assim como há em algumas unidades do SUL do País.
    Há também várias lotações terríveis em termos de quantidade de trabalho.
    Em geral consultivo é mais tranquilo que contencioso.
    Quanto a PU/MS temos muita coisa, nada absurdo. Dou conta de tudo com as 8 horas diárias.

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