Olá queridas e queridos! Tudo bem? Espero que estejam bem e firmes nos estudos!
Eu sou o Marco Dominoni e hoje quero trazer para vocês um tema muito interessante, e mal aplicado na prática forense – sempre que o MPF não consegue descrever, minimamente, na inicial acusatória, a conduta a ser imputada, lança mão da Teoria do Domínio do Fato. Não sabe quem efetivamente praticou ou concorreu para a conduta? Onde estão os atos constitutivos da pessoa jurídica? Veja quem é o administrador e taca ele no polo passivo da ação penal! Pronto! É assim que vemos na prática! E os magistrados recebem a denúncia! Mas, depois, absolvem!
O julgado já tem algum tempo que foi divulgado, mas vale a lembrança. Conteúdo denso, mas fundamental para quem vai fazer MPF, Magistratura Federal e DPU, por óbvio!
SONEGAÇÃO FISCAL. TEORIA DO DOMÍNIO
DO FATO. INEXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. INAPLICABILIDADE. DOLO.
ESSENCIALIDADE. DESCRIÇÃO DE CULPA EM SENTIDO ESTRITO. INCOMPATIBILIDADE COM O
TIPO PENAL.
REsp 1.854.893-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma,
por unanimidade, julgado em 08/09/2020, DJe 14/09/2020. 6ª Turma
Segundo o STJ, a Teoria do Domínio do Fato não permite, isoladamente, que se faça uma acusação pela prática de qualquer crime, eis que a imputação deve ser acompanhada da devida descrição, no plano fático, do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado delituoso.
Apesar de o CP prever que todo aquele que concorre para
o crime é considerado autor (art. 29, caput), ainda que a sua participação
seja de menor importância (art. 29, § 1º), há situações nas quais o intérprete
lança mão do domínio do fato, de modo a presumir e demarcar a autoria. Entretanto,
o conceito de "domínio do fato" ou "domínio final do
fato" não se satisfaz com a simples referência à posição do indivíduo como
administrador ou gestor (de fato ou previsto no contrato social da empresa).
Vale dizer, é insuficiente considerar tal circunstância, isoladamente, para que
se possa atribuir a responsabilidade penal pela prática de crime tributário.
Em relação ao domínio do fato, há interessantes
produções doutrinárias que chamam a atenção para os problemas que orbitam ao
redor dessa teoria. O principal deles pode ser identificado logo em sua gênese,
isto é, na ausência de uma construção teórico-dogmática coerente e passível de
ser coordenada em harmonia com o nosso ordenamento jurídico, sobretudo na
atuação jurisdicional diante de casos concretos.
Fazer uso da teoria do domínio do fato pressupõe do
intérprete a manutenção da coerência sistêmica.
Foi com Welzel, em 1939, que surgiu uma teoria do
domínio do fato como critério de delimitação de autoria e que dependeria de
dois pressupostos:
a) os pessoais, decorrentes da estrutura do tipo, e o
b) fático, ligado ao domínio final do fato (o autor
seria o senhor da decisão e da execução de sua vontade final).
O domínio do fato, em sua concepção, portanto, compunha
as espécies de autoria ou coautoria (direta ou mediata).
Todavia, é com Roxin, sem dúvida, que a teoria do
domínio do fato ganhou "sua expressão mais acabada" . Longe de ser um
aprimoramento ou aperfeiçoamento da teoria de Welzel, constituiu-se ela uma
construção nova, com implicações teóricas e práticas distintas. Enquanto para
Welzel a teoria do domínio do fato seria um pressuposto (requisito) material
para determinação da autoria, para Roxin consistiria em um critério para
delimitação do papel do agente na prática delitiva (como autor ou partícipe).
Ela representou, assim, uma forma de distinguir autor de
partícipe e não fundamentou responsabilidade penal onde ela não existe, mas
apenas distinguiu o papel desempenhado por cada agente no delito.
Roxin desenvolveu uma teoria em que o domínio do fato se
manifestava de três maneiras, sem a pretensão de universalidade sobre todos os
casos:
a) domínio da ação, nas hipóteses em que o agente
realiza, por sua própria pessoa, todos os elementos estruturais do crime
(autoria imediata);
b) domínio da vontade, na qual um terceiro funciona como
instrumento do crime (autoria mediata); e
c) domínio funcional do fato, que trata da ação
coordenada, com divisão de tarefas, por pelo menos mais uma pessoa.
Ao tratar especificamente do domínio da vontade, Roxin
distinguiu três hipóteses:
(1) por coação exercida sobre terceiro;
(2) por indução a erro de terceiro; e
(3) por um aparato organizado de poder. Esta última
hipótese trata daquele que "servindo-se de uma organização verticalmente
estruturada e apartada, dissociada da ordem jurídica, emite uma ordem cujo
cumprimento é entregue a executores fungíveis, que funcionam como meras
engrenagens de uma estrutura automática, não se limita a instigar, mas é
verdadeiro autor mediato dos fatos realizados".
Mas, para Roxin, esse não seria o único critério de
fundamentação e distinção da autoria e da participação. Existiriam outros
delitos que não seriam influenciados pela teoria do domínio do fato, como
naqueles em que há violação de dever (delitos próprios). Então, v. g.,
no crime de peculato, não seria estabelecida a autoria pela teoria do domínio
do fato, mas por violação de dever.
Além desses, os delitos culposos, omissivos (próprios e
impróprios), também não seriam abrangidos pela teoria do domínio do fato.
Observa-se, portanto, que a referida teoria opera em um
plano de abstração e funciona como uma ratio, a qual é insuficiente, por
si mesma e se conceitualmente considerada, para aferir a existência do nexo de
causalidade entre o crime e o agente. É insuficiente e equivocado afirmar que
um indivíduo é autor porque detém o domínio do fato se, no plano intermediário ligado
aos fatos, não há nenhuma circunstância que estabeleça o nexo entre sua conduta
e o resultado lesivo (comprovação da existência de um plano delituoso comum ou
a contribuição relevante para a ocorrência do fato criminoso). Não há,
portanto, como considerar, com base na teoria do domínio do fato, que a posição
de gestor, diretor ou sócio administrador de uma empresa implica a presunção de
que houve a participação no delito, se não houver, no plano fático-probatório,
alguma circunstância que o vincule à prática delitiva.Também não é correto, no
âmbito da imputação da responsabilidade penal, partir da premissa ligada à
forma societária, ao número de sócios ou ao porte apresentado pela empresa para
se presumir a autoria, sobretudo porque nem sempre as decisões tomadas por
gestor de uma sociedade empresária ou pelo empresário individual, - seja ela
qual for e de que forma esteja constituída - implicam o absoluto conhecimento e
aquiescência com os trâmites burocráticos subjacentes, os quais, não raro, são
delegados a terceiros.
O delito de sonegação fiscal, previsto no art. 1º, II,
da Lei n. 8.137/1990, exige, para sua configuração, que a conduta do agente
seja dolosa, consistente na utilização de procedimentos (fraude) que violem de
forma direta a lei ou o regulamento fiscal, com objetivo de favorecer a si ou
terceiros, por meio da sonegação. Há uma diferença inquestionável entre aquele
que não paga tributo por circunstâncias alheias à sua vontade de pagar
(dificuldades financeiras, equívocos no preenchimento de guias etc.) e quem,
dolosamente, sonega o tributo com a utilização de expedientes espúrios e
motivado por interesses pessoais.
Na hipótese julgada pelo STJ, o quadro fático descrito
na imputação é mais indicativo de conduta negligente ou imprudente. A
constatação disso é reforçada pela delegação das operações contábeis sem a
necessária fiscalização, situação que não se coaduna com o dolo, mas se
aproxima da culpa em sentido estrito, não prevista no tipo penal em questão.
Era esse o
conteúdo que gostaria de trazer para vocês.
Fiquem com
Deus e contem sempre comigo para o que precisar.
Grande bjo no
coração,
Dominoni (@dominoni.marco no instagram)
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