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ILEGALIDADE DA PRISÃO ADMINISTRATIVA CAUTELAR DE ESTRANGEIROS PARA FINS DE EXPULSÃO. ART. 211 DO DEC. 9.199/17. LEI N 13.445/17 – LEI DE MIGRAÇÃO. VAI CAIR!

 Olá, queridas e queridos! Como estão os estudos? Aqui é o Dominoni (@dominoni.marco) e hoje trago para vocês uma questão com altíssima probabilidade de cair em provas da Magistratura Federal, MPF, Delta Federal, DPU e, com um juízo de quase certeza(rsrsrsr), na AGU. A matéria é típica de direito internacional, mas pode ser cobrada, também, no direito administrativo, com indagações sobre competência (processo civil). Fiquem atentos! Compreendam! Pratiquem (como questão discursiva)! Revisem! Vamos nessa?  

Trata-se da (im)possibilidade de prisão administrativa cautelar prevista no decreto regulamentador, por ausência de fundamento de validade na Lei de Migração que, ao contrário do revogado Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80), não prevê em seus dispositivos tal hipótese.

A primeira advertência vai para a natureza jurídica da medida: a mencionada prisão não é a cautelar deferida no decorrer do processo penal ou pena aplicada na sua conclusão. Trata-se de medida cautelar para a garantia do cumprimento de ato administrativo sancionatório, portanto, de natureza não penal.

Na prática, a prisão administrativa cautelar para fins de expulsão então prevista no Estatuto do Estrangeiro vinha sendo mais usada na hipótese de expulsão de estrangeiro após o cumprimento de pena privativa de liberdade decorrente de condenação criminal. No entanto, a prática não tem o condão de transformá-la em prisão de natureza criminal.

No caso, falta respaldo legal ao dispositivo do decreto regulamentador da Lei de Migração. À toda evidência, estamos diante de abuso do poder regulamentar do Executivo que regulamentou uma espécie de prisão não prevista em lei.

E a questão se resolve pela análise da compatibilidade no artigo 211 do Dec. 9.199/17 com os dispositivos da Lei n 13.445/17. A divergência pode ser solucionada pelo sistema de justiça começando pela primeira instância e no controle da legalidade do poder regulamentar do Executivo.

Valério de Oliveira Mazzuoli afirma que a expulsão de estrangeiro é a medida repressiva por meio da qual um Estado retira do seu território (impedindo que a este retorne) o estrangeiro que, de alguma maneira, ofendeu e violou as regras de conduta ou as leis locais, praticando atos contrários à segurança e à tranquilidade do Estado, ainda que tenha ingressado de forma regular (MAZZUOLI, Valério de Oliveira, Curso de direito internacional público, 10ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 793)

A Lei nº 13.445/2017 estabeleceu novos parâmetros para a política nacional de acolhimento do estrangeiro mais consentânea com os compromissos internacionais firmados pelo país. Os valores e as preocupações norteadores da nova legislação são bastante diversos daqueles que respaldaram o revogado Estatuto do Estrangeiro. A Lei nº 13.445/17 disciplinou o instituto da expulsão do estrangeiro nos seus artigos 54 a 62, assim redigidos:

Da Expulsão Art. 54. A expulsão consiste em medida administrativa de retirada compulsória de migrante ou visitante do território nacional, conjugada com o impedimento de reingresso por prazo determinado. § 1º Poderá dar causa à expulsão a condenação com sentença transitada em julgado relativa à prática de: I - crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão, nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 1998, promulgado pelo Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002 ; ou II - crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade, consideradas a gravidade e as possibilidades de ressocialização em território nacional. § 2º Caberá à autoridade competente resolver sobre a expulsão, a duração do impedimento de reingresso e a suspensão ou a revogação dos efeitos da expulsão, observado o disposto nesta Lei. § 3º O processamento da expulsão em caso de crime comum não prejudicará a progressão de regime, o cumprimento da pena, a suspensão condicional do processo, a comutação da pena ou a concessão de pena alternativa, de indulto coletivo ou individual, de anistia ou de quaisquer benefícios concedidos em igualdade de condições ao nacional brasileiro. § 4º O prazo de vigência da medida de impedimento vinculada aos efeitos da expulsão será proporcional ao prazo total da pena aplicada e nunca será superior ao dobro de seu tempo. Art. 55. Não se procederá à expulsão quando: I - a medida configurar extradição inadmitida pela legislação brasileira; II - o expulsando: a) tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela; b) tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil, sem discriminação alguma, reconhecido judicial ou legalmente; c) tiver ingressado no Brasil até os 12 (doze) anos de idade, residindo desde então no País; d) for pessoa com mais de 70 (setenta) anos que resida no País há mais de 10 (dez) anos, considerados a gravidade e o fundamento da expulsão; ou e) (VETADO).

Art. 56. Regulamento definirá procedimentos para apresentação e processamento de pedidos de suspensão e de revogação dos efeitos das medidas de expulsão e de impedimento de ingresso e permanência em território nacional. Art. 57. Regulamento disporá sobre condições especiais de autorização de residência para viabilizar medidas de ressocialização a migrante e a visitante em cumprimento de penas aplicadas ou executadas em território nacional. Art. 58. No processo de expulsão serão garantidos o contraditório e a ampla defesa. § 1º A Defensoria Pública da União será notificada da instauração de processo de expulsão, se não houver defensor constituído. § 2º Caberá pedido de reconsideração da decisão sobre a expulsão no prazo de 10 (dez) dias, a contar da notificação pessoal do expulsando. Art. 59. Será considerada regular a situação migratória do expulsando cujo processo esteja pendente de decisão, nas condições previstas no art. 55. Art. 60. A existência de processo de expulsão não impede a saída voluntária do expulsando do País. Seção V Das Vedações Art. 61. Não se procederá à repatriação, à deportação ou à expulsão coletivas. Parágrafo único. Entende-se por repatriação, deportação ou expulsão coletiva aquela que não individualiza a situação migratória irregular de cada pessoa. Art. 62. Não se procederá à repatriação, à deportação ou à expulsão de nenhum indivíduo quando subsistirem razões para acreditar que a medida poderá colocar em risco a vida ou a integridade pessoal.

De fato houve uma redução nas hipóteses de expulsão, o que guarda coerência com os valores norteadores do novo estatuto. Em relação especificamente à prisão administrativa cautelar do estrangeiro submetido a processo de expulsão, houve um silêncio eloquente do legislador. A opção legislativa foi pela revogação desta espécie de prisão.

O legislador optou pela redundância, quiçá desconfiado da regulamentação superveniente, estabeleceu expressamente a reserva legal em matéria migratória, em seu artigo 123, assim redigido:

Art. 123. Ninguém será privado de sua liberdade por razões migratórias, exceto nos casos previstos nesta Lei.

A regulamentação da Lei nº 13.445/17 foi feita pelo Dec. 9.199/17 que, extrapolando o poder regulamentar, disciplinou a prisão administrativa cautelar, em seu artigo 211, assim redigido:

Art. 211. O delegado da Polícia Federal poderá representar perante o juízo federal pela prisão ou por outra medida cautelar, observado o disposto no Título IX do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal. § 1º A medida cautelar aplicada vinculada à mobilidade do imigrante ou do visitante deverá ser comunicada ao juízo federal e à repartição consular do país de nacionalidade do preso e registrada em sistema próprio da Polícia Federal. § 2º Na hipótese de o imigrante sobre quem recai a medida estar preso por outro motivo, o fato deverá ser comunicado ao juízo de execuções penais competente, para determinar a apresentação do deportando ou do expulsando à Polícia Federal. § 3º O deportando ou o expulsando preso será informado de seus direitos, observado o disposto no inciso LXIII do caput do art. 5º da Constituição e, caso ele não informe o nome de seu defensor, a Defensoria Pública da União será notificada.

Ou seja, por meio de um decreto regulamentador, foi mantida uma modalidade de prisão cautelar durante um processo administrativo e não em um processo judicial criminal. No entanto, tal prisão singular foi revogada pela Lei nº 13.445/17, em seu artigo 124.

Não se pode sustentar que o artigo 211 do Decreto nº 9.199/17 tem fundamento de validade no artigo 48 da Lei de Migração, assim redigido:

Art. 48. Nos casos de deportação ou expulsão, o chefe da unidade da Polícia Federal poderá representar perante o juízo federal, respeitados, nos procedimentos judiciais, os direitos à ampla defesa e ao devido processo legal.

E no elenco de providências a serem requeridas na representação da Polícia Federal não se encontra a prisão administrativa cautelar não prevista em lei. O dispositivo genérico não tem o condão de dar sobrevida à prisão administrativa revogada.

O fim da prisão administrativa cautelar para fins de expulsão após o advento da nova Lei de Migração foi reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça, como podemos atestar pela seguinte decisão.

PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO COM O FIM DE GARANTIR O CUMPRIMENTO DO DECRETO DE EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO. MODALIDADE DE PRISÃO ABOLIDA DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. NOVA LEI DE MIGRAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO PROVIDO. 1. Em 21/11/2017 entrou em vigor a Lei n.º 13.445/2017 (nova Lei de Migração), em substituição ao antigo Estatuto do Estrangeiro. Com a novatio legis, a prisão com o fim de garantir o cumprimento do decreto de expulsão de estrangeiro foi abolida de nosso ordenamento jurídico, não mais havendo, pois, previsão legal para o encarceramento do ora recorrente. (...). (RHC - RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS - 91785 2017.02.95310-0, MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - SEXTA TURMA, DJE DATA:28/08/2018 ..DTPB:.)

Na mesma trilha, o Tribunal Regional Federal da Terceira adotou posicionamento pela revogação da prisão para fins de expulsão de estrangeiro:

HABEAS CORPUS. ESTRANGEIRO. PRISÃO PARA FINS DE EXPULSÃO. ESTATUTO DO ESTRANGEIRO (LEI Nº 6.815/1980). REVOGAÇÃO PELA LEI DE MIGRAÇÃO (LEI Nº 13.445/2017). CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A prisão para fins de expulsão era prevista no art. 69 Lei nº 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro), o qual estabelecia que "[o] Ministro da Justiça, a qualquer tempo, poderá determinar a prisão, por 90 (noventa) dias, do estrangeiro submetido a processo de expulsão e, para concluir o inquérito ou assegurar a execução da medida, prorrogá-la por igual prazo" e dispunha, em seu parágrafo único, que em "caso de medida interposta junto ao Poder Judiciário que suspenda, provisoriamente, a efetivação do ato expulsório, o prazo de prisão de que trata a parte final do caput deste artigo ficará interrompido, até a decisão definitiva do Tribunal a que estiver submetido o feito". 2. Durante a vigência do Estatuto do Estrangeiro, a jurisprudência pátria firmara a orientação de que essa modalidade de prisão havia sido recepcionada pela Constituição Federal de 1988, ressalvando, porém, que, em virtude do disposto no art. 5º, LXI, da Carta da República, sua decretação incumbia a juiz federal, e não ao ministro da Justiça. 3. A entrada em vigor da Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração), porém, alterou significativamente essa sistemática. O art. 124, II, desta Lei revogou expressamente, e em sua totalidade, o Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980), substituindo-o na disciplina das relações atinentes ao Estado brasileiro e estrangeiros, inclusive o instituto da expulsão. 4. A Lei de Migração não previu a prisão para fins de expulsão, retirando tal modalidade de segregação cautelar do ordenamento jurídico nacional, de sorte que, em razão disso, não há fundamento legal hábil a embasar a prisão do impetrante/paciente, a partir da sua entrada em vigor. 5. A previsão dessa modalidade prisional no Decreto presidencial nº 9.199/2017, regulamentador da Lei de Migração, representa, nos estreitos limites do habeas corpus, indevido excesso de poder regulamentar, imiscuindo-se em matéria restrita à lei, que nada dispôs a respeito. Com efeito, não é possível que o Decreto, a pretexto de regulamentar a Lei, preveja situações que nela não foram tratadas, especialmente a fim de segregar a liberdade de locomoção, como é o caso dos autos. 6. Ordem concedida. (TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, HC - HABEAS CORPUS - 74213 - 0004300-87.2017.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, julgado em 06/02/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/02/2018).

Com isso, queridos, podemos afirmar que os precedentes invocados reforçam ainda mais a evidente ilegalidade da prisão regulamentada pelo decreto.

Era esse o tema de hoje! Gostou? Compartilha com aquele amigo que está na batalha com vc...

 

Grande abraço.

Dominoni (@dominoni.marco no instagram)

PS.: resumo da decisão concessiva da tutela provisória de urgência nos autos da ACP nº 5006898-83.2022.4.03.6100, da 17ª Vara Cível Federal de São Paulo. Autor: MPF. Réu: União Federal.

Acompanharemos o caso...

2 comentários:

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