Olá, queridas e queridos! Como estão os estudos? Aqui é o Dominoni (@dominoni.marco) e hoje trago para vocês uma questão com altíssima probabilidade de cair em provas da Magistratura Federal, MPF, Delta Federal, DPU e, com um juízo de quase certeza(rsrsrsr), na AGU. A matéria é típica de direito internacional, mas pode ser cobrada, também, no direito administrativo, com indagações sobre competência (processo civil). Fiquem atentos! Compreendam! Pratiquem (como questão discursiva)! Revisem! Vamos nessa?
Trata-se da (im)possibilidade de prisão administrativa
cautelar prevista no decreto regulamentador, por ausência de fundamento de
validade na Lei de Migração que, ao contrário do revogado Estatuto do
Estrangeiro (Lei nº 6.815/80), não prevê em seus dispositivos tal hipótese.
A primeira advertência vai para a natureza jurídica da medida: a mencionada prisão não é a cautelar deferida no decorrer do processo penal ou pena aplicada na sua conclusão. Trata-se de medida cautelar para a garantia do cumprimento de ato administrativo sancionatório, portanto, de natureza não penal.
Na prática, a prisão administrativa cautelar para fins de
expulsão então prevista no Estatuto do Estrangeiro vinha sendo mais usada na
hipótese de expulsão de estrangeiro após o cumprimento de pena privativa de
liberdade decorrente de condenação criminal. No entanto, a prática não tem o
condão de transformá-la em prisão de natureza criminal.
No caso, falta respaldo legal ao dispositivo do decreto regulamentador
da Lei de Migração. À toda evidência, estamos diante de abuso do poder
regulamentar do Executivo que regulamentou uma espécie de prisão não
prevista em lei.
E a questão se resolve pela análise da compatibilidade no
artigo 211 do Dec. 9.199/17 com os dispositivos da Lei n 13.445/17. A
divergência pode ser solucionada pelo sistema de justiça começando pela
primeira instância e no controle da legalidade do poder regulamentar do
Executivo.
Valério de Oliveira Mazzuoli afirma que a expulsão de
estrangeiro é a medida repressiva por meio da qual um Estado retira do seu
território (impedindo que a este retorne) o estrangeiro que, de alguma maneira,
ofendeu e violou as regras de conduta ou as leis locais, praticando atos
contrários à segurança e à tranquilidade do Estado, ainda que tenha ingressado
de forma regular (MAZZUOLI, Valério de Oliveira, Curso de direito internacional
público, 10ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 793)
A Lei nº 13.445/2017 estabeleceu novos parâmetros para a
política nacional de acolhimento do estrangeiro mais consentânea com os
compromissos internacionais firmados pelo país. Os valores e as preocupações
norteadores da nova legislação são bastante diversos daqueles que respaldaram o
revogado Estatuto do Estrangeiro. A Lei nº 13.445/17 disciplinou o instituto da
expulsão do estrangeiro nos seus artigos 54 a 62, assim redigidos:
Da Expulsão Art. 54. A expulsão consiste em medida
administrativa de retirada compulsória de migrante ou visitante do território
nacional, conjugada com o impedimento de reingresso por prazo determinado. § 1º
Poderá dar causa à expulsão a condenação com sentença transitada em julgado
relativa à prática de: I - crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime
de guerra ou crime de agressão, nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do
Tribunal Penal Internacional, de 1998, promulgado pelo Decreto nº 4.388, de 25
de setembro de 2002 ; ou II - crime comum doloso passível de pena privativa de
liberdade, consideradas a gravidade e as possibilidades de ressocialização em
território nacional. § 2º Caberá à autoridade competente resolver sobre a
expulsão, a duração do impedimento de reingresso e a suspensão ou a revogação
dos efeitos da expulsão, observado o disposto nesta Lei. § 3º O processamento
da expulsão em caso de crime comum não prejudicará a progressão de regime, o
cumprimento da pena, a suspensão condicional do processo, a comutação da pena
ou a concessão de pena alternativa, de indulto coletivo ou individual, de
anistia ou de quaisquer benefícios concedidos em igualdade de condições ao
nacional brasileiro. § 4º O prazo de vigência da medida de impedimento
vinculada aos efeitos da expulsão será proporcional ao prazo total da pena
aplicada e nunca será superior ao dobro de seu tempo. Art. 55. Não se procederá
à expulsão quando: I - a medida configurar extradição inadmitida pela
legislação brasileira; II - o expulsando: a) tiver filho brasileiro que esteja
sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa
brasileira sob sua tutela; b) tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil,
sem discriminação alguma, reconhecido judicial ou legalmente; c) tiver
ingressado no Brasil até os 12 (doze) anos de idade, residindo desde então no
País; d) for pessoa com mais de 70 (setenta) anos que resida no País há mais de
10 (dez) anos, considerados a gravidade e o fundamento da expulsão; ou e)
(VETADO).
Art. 56. Regulamento definirá procedimentos para apresentação
e processamento de pedidos de suspensão e de revogação dos efeitos das medidas
de expulsão e de impedimento de ingresso e permanência em território nacional.
Art. 57. Regulamento disporá sobre condições especiais de autorização de
residência para viabilizar medidas de ressocialização a migrante e a visitante
em cumprimento de penas aplicadas ou executadas em território nacional. Art.
58. No processo de expulsão serão garantidos o contraditório e a ampla defesa.
§ 1º A Defensoria Pública da União será notificada da instauração de processo
de expulsão, se não houver defensor constituído. § 2º Caberá pedido de
reconsideração da decisão sobre a expulsão no prazo de 10 (dez) dias, a contar
da notificação pessoal do expulsando. Art. 59. Será considerada regular a
situação migratória do expulsando cujo processo esteja pendente de decisão, nas
condições previstas no art. 55. Art. 60. A existência de processo de expulsão
não impede a saída voluntária do expulsando do País. Seção V Das Vedações Art.
61. Não se procederá à repatriação, à deportação ou à expulsão coletivas.
Parágrafo único. Entende-se por repatriação, deportação ou expulsão coletiva
aquela que não individualiza a situação migratória irregular de cada pessoa.
Art. 62. Não se procederá à repatriação, à deportação ou à expulsão de nenhum
indivíduo quando subsistirem razões para acreditar que a medida poderá colocar
em risco a vida ou a integridade pessoal.
De fato houve uma redução nas hipóteses de expulsão, o
que guarda coerência com os valores norteadores do novo estatuto. Em relação
especificamente à prisão administrativa cautelar do estrangeiro submetido a
processo de expulsão, houve um silêncio eloquente do legislador. A opção
legislativa foi pela revogação desta espécie de prisão.
O legislador optou pela redundância, quiçá desconfiado da
regulamentação superveniente, estabeleceu expressamente a reserva legal em
matéria migratória, em seu artigo 123, assim redigido:
Art. 123. Ninguém será privado de sua liberdade por razões
migratórias, exceto nos casos previstos nesta Lei.
A regulamentação da Lei nº 13.445/17 foi feita pelo Dec.
9.199/17 que, extrapolando o poder regulamentar, disciplinou a prisão
administrativa cautelar, em seu artigo 211, assim redigido:
Art. 211. O delegado da Polícia Federal poderá representar
perante o juízo federal pela prisão ou por outra medida cautelar, observado o
disposto no Título IX do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código
de Processo Penal. § 1º A medida cautelar aplicada vinculada à mobilidade do
imigrante ou do visitante deverá ser comunicada ao juízo federal e à repartição
consular do país de nacionalidade do preso e registrada em sistema próprio da
Polícia Federal. § 2º Na hipótese de o imigrante sobre quem recai a medida
estar preso por outro motivo, o fato deverá ser comunicado ao juízo de
execuções penais competente, para determinar a apresentação do deportando ou do
expulsando à Polícia Federal. § 3º O deportando ou o expulsando preso será
informado de seus direitos, observado o disposto no inciso LXIII do caput do
art. 5º da Constituição e, caso ele não informe o nome de seu defensor, a
Defensoria Pública da União será notificada.
Ou seja, por meio de um decreto regulamentador, foi
mantida uma modalidade de prisão cautelar durante um processo administrativo e
não em um processo judicial criminal. No entanto, tal prisão singular foi
revogada pela Lei nº 13.445/17, em seu artigo 124.
Não se pode sustentar que o artigo 211 do Decreto nº 9.199/17
tem fundamento de validade no artigo 48 da Lei de Migração, assim redigido:
Art. 48. Nos casos de deportação ou expulsão, o chefe da
unidade da Polícia Federal poderá representar perante o juízo federal,
respeitados, nos procedimentos judiciais, os direitos à ampla defesa e ao
devido processo legal.
E no elenco de providências a serem requeridas na
representação da Polícia Federal não se encontra a prisão administrativa
cautelar não prevista em lei. O dispositivo genérico não tem o condão de
dar sobrevida à prisão administrativa revogada.
O fim da prisão administrativa cautelar para fins de expulsão
após o advento da nova Lei de Migração foi reconhecido pelo Superior Tribunal
de Justiça, como podemos atestar pela seguinte decisão.
PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO COM O FIM
DE GARANTIR O CUMPRIMENTO DO DECRETO DE EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO. MODALIDADE DE
PRISÃO ABOLIDA DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. NOVA LEI DE MIGRAÇÃO.
AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO
PROVIDO. 1. Em 21/11/2017 entrou em vigor a Lei n.º 13.445/2017 (nova Lei de
Migração), em substituição ao antigo Estatuto do Estrangeiro. Com a novatio
legis, a prisão com o fim de garantir o cumprimento do decreto de
expulsão de estrangeiro foi abolida de nosso ordenamento jurídico, não mais
havendo, pois, previsão legal para o encarceramento do ora recorrente.
(...). (RHC - RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS - 91785 2017.02.95310-0, MARIA
THEREZA DE ASSIS MOURA - SEXTA TURMA, DJE DATA:28/08/2018 ..DTPB:.)
Na mesma trilha, o Tribunal Regional Federal da Terceira
adotou posicionamento pela revogação da prisão para fins de expulsão de
estrangeiro:
HABEAS CORPUS. ESTRANGEIRO. PRISÃO PARA FINS DE EXPULSÃO.
ESTATUTO DO ESTRANGEIRO (LEI Nº 6.815/1980). REVOGAÇÃO PELA LEI DE MIGRAÇÃO
(LEI Nº 13.445/2017). CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA.
1. A prisão para fins de expulsão era prevista no art. 69 Lei nº 6.815/1980
(Estatuto do Estrangeiro), o qual estabelecia que "[o] Ministro da
Justiça, a qualquer tempo, poderá determinar a prisão, por 90 (noventa) dias,
do estrangeiro submetido a processo de expulsão e, para concluir o inquérito ou
assegurar a execução da medida, prorrogá-la por igual prazo" e dispunha,
em seu parágrafo único, que em "caso de medida interposta junto ao Poder
Judiciário que suspenda, provisoriamente, a efetivação do ato expulsório, o
prazo de prisão de que trata a parte final do caput deste artigo ficará
interrompido, até a decisão definitiva do Tribunal a que estiver submetido o
feito". 2. Durante a vigência do Estatuto do Estrangeiro, a jurisprudência
pátria firmara a orientação de que essa modalidade de prisão havia sido
recepcionada pela Constituição Federal de 1988, ressalvando, porém, que, em
virtude do disposto no art. 5º, LXI, da Carta da República, sua decretação
incumbia a juiz federal, e não ao ministro da Justiça. 3. A entrada em vigor da
Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração), porém, alterou significativamente essa
sistemática. O art. 124, II, desta Lei revogou expressamente, e em sua
totalidade, o Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980), substituindo-o na
disciplina das relações atinentes ao Estado brasileiro e estrangeiros,
inclusive o instituto da expulsão. 4. A Lei de Migração não previu a prisão
para fins de expulsão, retirando tal modalidade de segregação cautelar do
ordenamento jurídico nacional, de sorte que, em razão disso, não há
fundamento legal hábil a embasar a prisão do impetrante/paciente, a partir
da sua entrada em vigor. 5. A previsão dessa modalidade prisional no
Decreto presidencial nº 9.199/2017, regulamentador da Lei de Migração,
representa, nos estreitos limites do habeas corpus, indevido excesso de poder
regulamentar, imiscuindo-se em matéria restrita à lei, que nada dispôs a
respeito. Com efeito, não é possível que o Decreto, a pretexto de regulamentar
a Lei, preveja situações que nela não foram tratadas, especialmente a fim de
segregar a liberdade de locomoção, como é o caso dos autos. 6. Ordem concedida.
(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, HC - HABEAS CORPUS - 74213 -
0004300-87.2017.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, julgado em
06/02/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/02/2018).
Com isso, queridos, podemos afirmar que os precedentes
invocados reforçam ainda mais a evidente ilegalidade da prisão regulamentada
pelo decreto.
Era esse o tema de hoje! Gostou? Compartilha com aquele amigo
que está na batalha com vc...
Grande abraço.
Dominoni (@dominoni.marco no instagram)
PS.: resumo da decisão concessiva da tutela provisória de
urgência nos autos da ACP nº 5006898-83.2022.4.03.6100, da 17ª Vara Cível
Federal de São Paulo. Autor: MPF. Réu: União Federal.
Acompanharemos o caso...
Muito, muito bom!
ResponderExcluirObrigado, querida/querido!!!! Cote comigo! Abração. Dominoni
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