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CASO COSME ROSA GENOVEVA, EVANDRO DE OLIVEIRA E OUTROS (CASO FAVELA NOVA BRASÍLIA). BRASÍLIA vs BRASIL
Prezados
leitores, dando seguimento às nossas postagens, trago hoje um conteúdo muito
relevante para os concursos em geral (Defensorias à frente!), mas eu acredito
muito na cobrança desse tema no VI
Concurso da DPU.
Trata-se
do caso recém julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e
intitulado Caso Cosme Rosa Genoveva
ou Caso Favela Nova Brasília (as
denominações são fundamentais nas questões de Proteção Internacional de
Direitos Humanos) - Sentença de 16.02.2017.
Na próxima semana trago um resumão da petição das razões da DPU como amicus curiae.
Bora!!!
Isabel
Machado, uma das Defensoras que elaboraram os memoriais como amicus, e Defensora Interamericana, afirmou que “o caso é
paradigmático pois trata dos autos de resistência." Em outro ponto, afirmou
que “(...) discussões sobre gênero (em especial, sobre o dever de adotar os
padrões internacionais de due diligence
para investigação de violência sexual/tortura perpetrada por agentes do
Estado). A questão racial não foi muito destacada, mas há outros informes
pendentes na CIDH que já chamam mais atenção para a prática de "racial
profiling" pela polícia.”
Material
sobre o caso:
1-
Relatório de mérito da CIDH submetido à Corte IDH:
https://cidh.oas.org/annualrep/98port/Brasil11566.htm
2-
Link da audiência do caso (é transmitida no site da Corte IDH):
https://vimeo.com/187097335
O caso: falhas e demora na investigação e punição dos
responsáveis pelas supostas “execuções extrajudiciais de 26 pessoas [...] no
âmbito das incursões policiais feitas pela Polícia Civil do Rio de Janeiro em
18 de outubro de 1994 e em 8 de maio de 1995 na Favela Nova Brasília”. Alega-se
que essas mortes foram justificadas pelas autoridades policiais mediante o
levantamento de “atas de resistência à prisão” (em verdade o termo utilizado no RJ é auto de resistência). Alega-se também que, na incursão de 18 de
outubro de 1994, três mulheres, duas delas menores, teriam sido vítimas de
tortura e atos de violência sexual por parte de agentes policiais. Finalmente,
alega-se que a investigação dos fatos mencionados teria sido realizada
supostamente com o objetivo de estigmatizar e revitimizar as pessoas falecidas,
pois o foco teria sido dirigido à sua culpabilidade e não à verificação da
legitimidade do uso da força.
Conclusões da Comissão:
(os artigos indicados devem ser lidos)
a.
Violação de direitos previstos nos
artigos 1.1, 4.1, 5.2, 8.1, 11, 19 e 25.1 da Convenção Americana;
b.
Violação de direitos previstos nos
artigos 1, 6, 8 da Convenção Interamericana par aPrevenir e Punir a Tortura;
c.
Violação de direitos previstos no
artigo 7 da Convenção de Belém do Pará.
Recomendações da Comissão:
a.
Conduzir uma investigação exaustiva,
imparcial e efetiva das violações acima indicadas, em prazo razoável e por
autoridade judiciais independentes da polícia, para determinar a verdade e
punir os responsáveis;
b.
Compensação adequada e completa, tanto
pelos danos morais como pelos danos materiais ocasionados;
c.
Eliminar imediatamente a prática de
registrar automaticamente as mortes provocadas pela polícia como “resistência à
prisão”;
d.
Erradicar a impunidade da violência
policial em geral, adaptando a legislação interna, os regulamentos;
e.
estabelecer sistemas de controle e
prestação de contas internos e externos para tornar efetivo o dever de
investigar, com uma perspectiva de gênero e étnico-racial, todos os casos em
que os agentes da ordem utilizam a força letal e/ou a violência sexual;
f.
modernizar e profissionalizar as
forças policiais, assegurando a responsabilização por abusos do passado,
mediante a expulsão de conhecidos perpetradores dos órgãos de segurança do
Estado, bem como de outros cargos de autoridade, e realizando ajustes em sua
filosofia institucional;
g.
capacitar adequadamente o pessoal
policial sobre como tratar de maneira efetiva e eficiente as pessoas oriundas
dos setores mais vulneráveis da sociedade,
inclusive as crianças, as mulheres e os residentes de favelas, buscando superar
o estigma de que todos os pobres são criminosos;
h.
regulamentar legalmente, tanto no
aspecto formal como no material, os procedimentos policiais que envolvam uso
legítimo da força, estipulando expressamente que só se pode recorrer a esse
extremo como último recurso, e que o uso da força deve se inspirar nos
princípios de excepcionalidade, necessidade e proporcionalidade. A esse
respeito, o Estado levará em conta, entre outros, os Princípios Básicos das
Nações Unidas sobre o Emprego da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários
Encarregados de Fazer Cumprir a Lei e os Princípios das Nações Unidas Relativos
a uma Eficaz Prevenção e Investigação das Execuções Extralegais, Arbitrárias ou
Sumárias.
A
Notificação ao Estado ocorreu em
19.01.2012, tendo sido apontado o prazo de 2 meses para informar o cumprimento
das recomendações. Após dois adiamentos, a Comissão determinou que o Estado não
havia avançado concretamente no cumprimento das recomendações.
Apresentação do caso à Corte:
em 19.5.2015, a Comissão submeteu os fatos e as violações de Direitos Humanos
(DH) à Corte em razão da necessidade de se obter justiça. A Comissão solicitou
que a Corte declarasse a responsabilidade internacional do Brasil pelas
violações acima indicadas, e que ordenasse ao Estado, como medida de reparação,
aquelas descritas acima.
Amici
curia - O Tribunal recebeu quatro escritos de amici curiae, apresentados: 1) pela
Defensoria Pública da União, sobre os níveis alarmantes de violência policial
contra a população pobre e afrodescendente no Brasil, que violariam vários
direitos consagrados na Convenção Americana e nos demais instrumentos do
Sistema Interamericano; 2) pelo
Núcleo
de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, sobre
o padrão sistemático de violência sexual contra a mulher no Brasil; 3) pelo
lnstituto HEGOA, Universidade do País Basco, sobre a avaliação de danos e
medidas de reparação em casos de violência sexual cometida por agentes do
Estado em contextos de grande vulnerabilidade e diversidade cultural. Além
disso, oferecer uma análise do impacto da violência sexual, das consequências
da impunidade para as vítimas e das condições para evitar a vitimização
secundária ou a revitimização destas nos processos de investigação e
judicialização; e 4) pelo Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos
da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, sobre os elementos que mostram a
existência de um padrão de violência de direitos humanos por parte do Estado,
especificamente por meio da violência policial e do uso excessivo da força.
O
escrito da DPU foi assinado por Carlos Eduardo Barbosa Paz (Defensor Geral
Federal), Edson Rodrigues Marques (sub-Defensor Geral Federal), Pedro de Paula
Lopes Almeida
e
Isabel Penido de Campos Machado (Defensores Públicos Federais, sendo que Isabel
é Defensora Interamericana de DH - representa e exerce a defesa legal de
vítimas perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos).
Com
respeito a esse escrito, o Estado brasileiro aduziu que o amicus curiae apresentado pela Defensoria Pública da União
desvirtua a figura do amicus curiae,
ao considerar que não consta do escrito uma análise técnica e imparcial ao
referir-se à competência temporal e material da Corte, à admissibilidade do
caso e às considerações sobre o mérito, e apresentar solicitações. A Corte
observa que os argumentos do Estado carecem de fundamento, motivo por que o
referido escrito será considerado na medida em que ofereça ao Tribunal “fundamentos
acerca dos fatos contidos no escrito de submissão do caso ou formula
considerações jurídicas sobre a matéria do processo”, conforme preceitua o artigo
2.3 de seu Regulamento.
Reparações – artigo 63.1 da Convenção
Americana:
a.
A Corte dispõe que o Estado deve conduzir
eficazmente a investigação em curso sobre os fatos relacionados com as mortes
ocorridas na incursão de 1994, com a devida diligência e em prazo razoável,
para identificar, processar e, caso seja pertinente, punir os responsáveis. A
respeito das mortes ocorridas na incursão de 1995, o Estado deve iniciar ou
reativar uma investigação eficaz a respeito desses fatos. A devida diligência
na investigação implica que todas as respectivas autoridades estatais estão
obrigadas a colaborar na coleta da prova, razão pela qual deverão prestar ao
juiz, ao promotor ou a outra autoridade judicial toda a informação que
solicitem e a abster-se de atos que impliquem a obstrução do andamento do
processo investigativo. Do mesmo modo, com base nas conclusões estabelecidas na
presente Sentença, a respeito das violações dos direitos à proteção judicial e
às garantias judiciais, o Estado, por intermédio do Procurador-Geral da
República, do Ministério Público Federal, deve avaliar se os fatos referentes
às incursões de 1994 e 1995 devem ser objeto de pedido de Incidente de
Deslocamento de Competência. Em especial, o Estado também deverá:
1) assegurar o pleno acesso e a
capacidade de agir dos familiares em todas as etapas dessas investigações, de
acordo com a legislação interna e as normas da Convenção Americana; e
2) abster-se de recorrer a qualquer
obstáculo processual para eximir-se dessa obrigação, por tratar-se de prováveis
execuções extrajudiciais e atos de tortura.
b.
Em relação aos fatos de violência
sexual, tal como se dispôs em outras oportunidades relacionadas com esse tipo
de caso, tanto a investigação como o processo penal posterior deverão incluir
uma perspectiva de gênero, conduzir linhas de investigação específicas a
respeito da violência sexual, em conformidade com a legislação interna e, caso
seja pertinente, a participação adequada durante a investigação e o julgamento
em todas as etapas. A investigação também deverá ser realizada por funcionários
capacitados em casos similares e em atenção a vítimas de discriminação e
violência de gênero. Além disso, será necessário assegurar-se de que as pessoas
encarregadas da investigação e do processo penal, bem como, caso seja cabível,
outras pessoas envolvidas, como testemunhas, peritos ou familiares da vítima,
disponham das devidas garantias de segurança.
Reabilitação: tratamento psicológico e
psiquiátrico das vítimas
O
Estado salientou que, de acordo com o artigo 196 da CR/88, a saúde é direito de
todos e dever do Estado, dispondo da estrutura adequada através do Sistema
Único de Saúde (SUS).
O
amicus DPSP informou que a rede
psicossocial pública brasileira seria frágil e não estaria preparada para lidar
com casos como o presente. Desse modo, a Corte decide que o Estado deve
oferecer, gratuitamente, por meio de suas instituições especializadas de saúde,
e de forma imediata, adequada e efetiva, o tratamento psicológico e
psiquiátrico de que as vítimas necessitem, após o consentimento fundamentado e
pelo tempo que seja necessário, inclusive com o fornecimento gratuito de
medicamentos. Os tratamentos respectivos também deverão ser prestados, na
medida do possível, nos centros escolhidos pelas vítimas.
Medidas de satisfação
A
jurisprudência internacional, e em especial a desta Corte, estabeleceu,
reiteradamente, que a sentença constitui por si mesma uma forma de reparação.
Além disso, o Tribunal determinará medidas que busquem reparar o dano imaterial
e que não tenham natureza pecuniária, bem como medidas de alcance ou
repercussão pública.
a.
Publicação
da sentença: a Corte considera que o Estado deve publicar, no prazo de seis meses,
contado a partir da notificação, o resumo oficial da sentença do DO, em jornal
de ampla circulação nacional, e o resumo oficial e o inteiro teor da sentença em
página oficial do governo federal, do governo do Estado do Rio de Janeiro, e na
página eletrônica da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. Além disso, nas
contas das redes sociais Twitter e Facebook, da Secretaria Especial de Direitos
Humanos do Ministério da Justiça, do Ministério das Relações Exteriores, da
Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, da Secretaria de Segurança Pública
do Estado do Rio de Janeiro e do Governo do Estado do Rio de Janeiro devem
promover a página eletrônica em que figure a Sentença e seu Resumo, por meio de
um post semanal pelo prazo de um ano.
b.
Ato público
de reconhecimento de responsabilidade e placas comemorativas: o Estado deve realizar
um ato de reconhecimento de responsabilidade internacional, em relação aos
fatos do presente caso e sua posterior investigação. Nesse ato, o Estado deverá
fazer referência aos fatos e violações de direitos humanos declaradas na presente
Sentença. O ato deverá ocorrer em cerimônia pública e ser divulgado. O Estado
deverá assegurar a participação das vítimas declaradas na presente Sentença,
caso o desejem, e convidar para o evento as organizações que os representaram
nas instâncias nacionais e internacionais. A realização e demais
particularidades dessa cerimônia pública deverão ser objeto de consulta, prévia
e devidamente, com as vítimas e seus representantes. As autoridades estatais
que deverão estar presentes ou participar desse ato deverão ser altos
funcionários estatais do governo federal e do Estado do Rio de Janeiro. Caberá
ao Estado definir a quem atribuir essa tarefa. Para cumprir essa obrigação, o
Estado dispõe do prazo de um ano a partir da notificação desta Sentença.
Nesse ato público deverão ser inauguradas duas placas em memória das
vítimas da presente Sentença, na praça principal da Favela Nova Brasília, uma
placa relativa aos fatos de 1994 e outra relativa aos fatos de 1995. O conteúdo
dessas placas deverá ser acordado entre o Estado e os representantes. Para essa
finalidade, a Corte concede o prazo de seis meses. Caso as partes não cheguem a
um acordo, deverão informar a Corte sobre esse fato, e esta definirá o texto
exato das placas a ser instaladas.
Garantias
de não repetição
a.
Adoção
de políticas públicas
A Comissão solicitou a adoção de medidas para erradicar a impunidade da
violência policial, modernizar e profissionalizar as forças policiais;
instituir sistemas de controle e prestação de contas internos e externos para
tornar efetivo o dever de investigar, com uma perspectiva de gênero e
étnico-racial, todos os casos em que houver a utilização de força letal e/ou a
violência sexual por parte das polícias; o fortalecimento da capacidade
institucional de órgãos independentes de supervisão; e o treinamento adequado
do pessoal policial sobre como tratar de maneira efetiva e eficiente as pessoas
provenientes dos setores mais vulneráveis da sociedade.
Os representantes solicitaram a criação de um protocolo nacional de
devida diligência de atuação conjunta da Polícia, MP, Judiciário, Institutos de
Perícia e outros órgãos envolvidos na investigação de crimes cometidos com
violência policial (pleito indeferido pela Corte); criação de Comissões de
Controle Externo do MP e Varas Especializadas para julgar crimes decorrentes
de violência policial; estabelecimento de critérios objetivos para substituição
de juízes substitutos de titulares (pleitos em negrito julgados
improcedentes pela Corte); afastamento de policias acusados de participação em
casos graves sob investigação da polícia até a conclusão da investigação; apoio
psicológico e técnico a policiais em situação de risco (a Corte não considera
necessário ordenar a medida); fortalecimento das Corregedorias e Ouvidorias
externas à polícia; estrutura financeira, material e institucional aos
Programas de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (PROVITA) e a
Defensores de Direitos Humanos nos Estados (a Corte considerou improcedente por
não guardar relação com o caso em julgamento); criação de Comissão Especial de
Redução da Letalidade em Ações Policiais no âmbito do Executivo de todos os
Estados; divulgação de relatórios anuais sobre policiais e civis mortos em
ações policiais, que será supervisionado durante o cumprimento desta sentença;
capacitação de profissionais de saúde em relação à legislação e às normas
técnicas vigentes para garantir o efetivo cumprimento da lei 12.845/2014,
inclusive com a capacitação em direitos humanos com perspectiva de gênero.
Ante a gravidade dos dados apresentados pelas partes no presente
processo, sobre a alta letalidade da ação da polícia no Brasil, especialmente
no Rio de Janeiro, a Corte determina que o Estado do Rio de Janeiro estabeleça
metas e políticas de redução da letalidade e da violência policial. A Corte
supervisionará essa medida e poderá determinar medidas adicionais ou
suplementares durante a supervisão do cumprimento desta Sentença, caso os
objetivos dessa medida, ou seja, a redução da letalidade policial, não sejam
comprovados.
b.
Adoção de
reformas legislativas
A Comissão solicitou que sejam aprovadas leis internas para prevenir,
investigar e punir qualquer violação de direitos humanos resultante de atos de
violência cometidos por agentes do Estado bem como a regulamentação jurídica
dos procedimentos policiais que envolvam uso legítimo da força.
Os representantes solicitaram que seja aprovada uma lei em todos os
estados do
Brasil que conceda autonomia aos peritos em relação às polícias, por
meio da criação de uma carreira específica e independente para os peritos (para
a Corte, há a lei 12.030/2009 que garante autonomia técnica, científica e
funcional aos peritos criminais no Brasil, não considerando necessário ordenar
a medida solicitada), e a garantia de recursos humanos, financeiros e
estruturais para o desempenho de suas funções; e também um marco jurídico infraconstitucional
a respeito do Incidente de Deslocamento de Competência, que determine expressamente
os casos de violência policial como uma hipótese de deslocamento de competência
da jurisdição estadual para a justiça federal (para a Corte, o artigo 109, §5º,
da CR/88 já garante isso, e que o STJ já definiu os balizamentos do Incidente –
IDC nº 3, motivo pelo qual a avaliação deve ser feita no caso concreto).
Solicitaram ainda mudanças legislativas para incluir expressamente, entre as
hipóteses de produção antecipada de prova no âmbito criminal, o caso de
testemunhas de violência cometida por agentes policiais e, alternativamente,
que seja determinada a presunção de risco concreto que permita que os juízes
autorizem a produção de prova antecipada em casos de violência policial (para a
Corte, já há previsão no CPP, artigo 159, não sendo necessário ordenar essa
medida de reparação).
Alternativamente, solicitaram que se determine a presunção de risco
concreto nesses casos, de maneira a dar origem à determinação de produção de
prova antecipada por parte de autoridades judiciais. Também solicitaram a
criação de um mecanismo de participação de vítimas e organizações da sociedade
civil em investigações sobre crimes praticados por policiais contra cidadãos.
c.
Extinção de
autos de resistência e redução da letalidade policial
A Comissão solicitou a eliminação imediata do registro automático de mortes
cometidas pela polícia como “autos de resistência”.
Os representantes solicitaram a substituição das expressões “auto de resistência”
e “resistência seguida de morte” por “homicídio decorrente de intervenção
policial” ou “lesão corporal decorrente de intervenção policial”; a designação
da Delegacia de Homicídios para a investigação de casos que decorram de uma
intervenção policial (a Corte entendeu que o Estado já atendeu a esse pedido –
por isso, deixou de ordenar); a prioridade no exame pericial de armas
apreendidas nesses casos e a vinculação dos índices de letalidade policial às
metas e indicadores do sistema de segurança pública (para a Corte, tais medidas
já foram atendidas mediante outras medidas ordenadas nesta Sentença).
Em relação à substituição da expressão “auto de resistência”, a Corte
coincide com a declaração do perito Marlon Weichert em audiência, e considera
que, ainda que a mudança do título do procedimento não modifique o procedimento
per se, existe um valor simbólico em buscar uma expressão mais apropriada.
Indenização
Compensatória
a.
Dano
Material
Em suas alegações finais escritas os representantes solicitaram o
pagamento de
“dano patrimonial”, o que inclui dano material e dano emergente, de
maneira justa, por não manter registros dos respectivos gastos. A esse
respeito, a Corte lembra que o momento processual oportuno para a solicitação
de medidas de reparação é o escrito de solicitações, alegações e provas. Como
os representantes não apresentaram nenhuma solicitação de indenização por dano
material no referido escrito, a solicitação apresentada nas alegações finais
escritas é extemporânea.
b.
Dano
imaterial
A Comissão solicitou que se adotem todas as medidas necessárias para
garantir uma compensação adequada e completa tanto pelos danos morais como
pelos danos materiais decorrentes das violações cometidas no presente caso, em
favor dos familiares das 26 vítimas que morreram nas incursões policiais e em
favor de L.R.J., C.S.S. e J.F.C.
Os representantes solicitaram a indenização dos danos sofridos pelas
pessoas identificadas como vítimas. Quanto ao dano imaterial, solicitaram
US$35.000,00 para cada vítima das incursões policiais de 1994 e 1995, na Favela
Nova Brasília; e US$50.000,00 para cada uma das três vítimas de violência
sexual da incursão policial de 1994.
A Corte desenvolveu em sua jurisprudência o conceito de dano imaterial
e estabeleceu que este “pode compreender tanto os sofrimentos e as aflições
causados pela violação como o desprezo de valores muito significativos para as pessoas
e qualquer alteração, de caráter não pecuniário, nas condições de existência
das vítimas”. Dado que não é possível atribuir ao dano imaterial um equivalente
monetário preciso, só pode ser objeto de compensação, para os fins da reparação
integral à vítima, mediante o pagamento de uma quantia em dinheiro ou a entrega
de bens ou a prestação de serviços apreciáveis em dinheiro, que o Tribunal
determine em aplicação razoável do arbítrio judicial e de maneira justa.
No capítulo VII, se declarou a responsabilidade internacional do Estado
pelas violações dos direitos estabelecidos nos artigos 5, 8 e 25 da Convenção
Americana, em relação aos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento (par. 224, 231,
239, 242 e 274 supra), e, quanto a L.R.J., C.S.S. e J.F.C., também em relação
aos artigos 1, 6 e 8 da CIPST e 7 da Convenção de Belém do Pará (par. 258 e 259
supra). Considerando o exposto e as diferentes violações determinadas nesta
Sentença, este Tribunal fixa, de maneira justa, a soma de US$35.000,00 (trinta
e cinco mil dólares dos Estados Unidos da América), uma única vez, para cada
uma das vítimas de violações dos direitos às garantias judiciais, à proteção
judicial e à integridade pessoal reconhecidos nos parágrafos 224, 231, 239,
242, 258, 259 e 274 da presente Sentença, e a soma adicional de US$15.000,00
(quinze mil dólares dos Estados Unidos da América) para L.R.J., C.S.S. e
J.F.C., individualmente.
Pontos
Resolutivos
A CORTE DECIDE, Por unanimidade,
1. Julgar improcedentes as exceções preliminares interpostas pelo Estado,
relativas à inadmissibilidade do encaminhamento do caso à Corte, em virtude da
publicação do Relatório de Mérito por parte da Comissão; a incompetência ratione personae, a respeito de supostas
vítimas que não outorgaram procurações ou que não estavam relacionadas aos
fatos do caso; a incompetência ratione
materiae por violação do princípio de subsidiariedade do
Sistema Interamericano; a
incompetência ratione materiae
relativa a supostas violações da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir
a Tortura e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher; a falta de esgotamento prévio dos recursos internos;
e a inobservância do prazo razoável para submeter o caso à Comissão.
2. Declarar parcialmente procedentes as exceções preliminares interpostas pelo
Estado relativas à incompetência ratione
personae a respeito de vítimas não incluídas no Relatório de Mérito da
Comissão e à incompetência ratione
temporis a respeito de fatos anteriores à data de reconhecimento da
jurisdição da Corte por parte do Estado.
DECLARA:
Por unanimidade, que:
3. O Estado é responsável pela violação do direito às garantias judiciais
de independência e imparcialidade da investigação, devida diligência e prazo
razoável, estabelecidas no artigo 8.1 da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em detrimento das
pessoas citadas na sentença.
Por unanimidade, que:
4. O Estado é responsável pela violação do direito à proteção judicial,
previsto no artigo 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação
aos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento, em detrimento das pessoas citadas na
sentença.
Por unanimidade, que:
5. O Estado é responsável pela violação dos direitos à proteção judicial e
às garantias judiciais, previstas nos artigos 25 e 8.1 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, em relação ao artigo 1.1 do mesmo
instrumento, e os artigos 1, 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e
Punir a Tortura, bem como o artigo 7 da Convenção Belém do Pará, em detrimento de
determinadas pessoas citadas na sentença.
Por unanimidade, que:
6. O Estado é responsável pela violação do direito à integridade pessoal,
previsto no artigo 5.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em
relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em detrimento de XXXXX
Por unanimidade, que:
7. O Estado não violou o direito à integridade
pessoal, previsto no artigo 5.1 da
Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em detrimento de XXXXXXX
Por unanimidade, que:
8. O Estado não violou o direito de circulação e
de residência, estabelecido no artigo 22.1 da Convenção Americana,
em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em detrimento de XXXXXXXXX.
E DISPÕE:
Por unanimidade, que:
9. Esta Sentença constitui, per se, uma forma de reparação.
10. O Estado deverá conduzir
eficazmente a investigação em curso sobre os fatos
relacionados às mortes ocorridas na
incursão de 1994, com a devida diligência e em prazo razoável, para
identificar, processar e, caso seja pertinente, punir os responsáveis. A
respeito das mortes ocorridas na incursão de 1995, o Estado deverá iniciar ou
reativar uma investigação eficaz a respeito desses fatos. O Estado deverá também,
por intermédio do Procurador-Geral da República do Ministério Público Federal, avaliar
se os fatos referentes às incursões de 1994 e 1995 devem ser objeto de pedido
de Incidente de Deslocamento de Competência.
11. O Estado deverá iniciar uma
investigação eficaz a respeito dos fatos de violência sexual.
12. O Estado deverá oferecer
gratuitamente, por meio de suas instituições de saúde especializadas, e de
forma imediata, adequada e efetiva, o tratamento psicológico e psiquiátrico de
que as vítimas necessitem, após consentimento fundamentado e pelo tempo que
seja necessário, inclusive o fornecimento gratuito de medicamentos. Do mesmo
modo, os tratamentos respectivos deverão ser prestados, na medida do possível,
nos centros escolhidos pelas vítimas.
13. O Estado deverá proceder às
publicações mencionadas nas medidas de
satisfação, nos termos dispostos acima.
14. O Estado deverá realizar um ato
público de reconhecimento de responsabilidade internacional, em relação aos
fatos do presente caso e sua posterior investigação, durante o qual deverão ser
inauguradas duas placas em memória das vítimas da presente Sentença, na praça
principal da Favela Nova Brasília.
15. O Estado deverá publicar
anualmente um relatório oficial com
dados relativos às mortes ocasionadas durante operações da polícia em todos os
estados do país. Esse relatório deverá também conter informação atualizada
anualmente sobre as investigações realizadas a respeito de cada incidente que
redunde na morte de um civil ou de um policial.
16. O Estado, no prazo de um ano
contado a partir da notificação da presente Sentença, deverá estabelecer os mecanismos normativos necessários para
que, na hipótese de supostas mortes, tortura ou violência sexual decorrentes de
intervenção policial, em que prima facie policiais apareçam como possíveis
acusados, desde a notitia criminis se
delegue a investigação a um órgão independente e diferente da força pública
envolvida no incidente, como uma autoridade judicial ou o Ministério Público,
assistido por pessoal policial, técnico
criminalístico e administrativo alheio
ao órgão de segurança a que pertença o possível acusado, ou acusados.
17. O Estado deverá adotar as medidas
necessárias para que o Estado do Rio de
Janeiro estabeleça metas e políticas
de redução da letalidade e da violência policial.
18. O Estado deverá implementar, em
prazo razoável, um programa ou curso
permanente e obrigatório sobre atendimento a mulheres vítimas de estupro,
destinado a todos os níveis hierárquicos das Polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro e a funcionários de
atendimento de saúde. Como parte dessa formação, deverão ser incluídas a
presente Sentença, a jurisprudência da Corte Interamericana a respeito da
violência sexual e tortura e as normas internacionais em matéria de atendimento
de vítimas e investigação desse tipo de caso.
19. O Estado deverá adotar as medidas legislativas ou de outra natureza
necessárias para permitir às vítimas de
delitos ou a seus familiares participar de maneira formal e efetiva da investigação
de delitos conduzida pela polícia ou pelo Ministério Público.
20. O Estado deverá adotar as medidas
necessárias para uniformizar a expressão
“lesão corporal ou homicídio decorrente de intervenção policial” nos
relatórios e investigações da polícia ou do Ministério Público em casos de
mortes ou lesões provocadas por ação policial. O conceito de “oposição” ou “resistência” à ação policial deverá ser
abolido.
21. O Estado deverá pagar as quantias
fixadas, a título de indenização por dano imaterial, e pelo reembolso de custas
e gastos.
22. O Estado deverá restituir ao Fundo
de Assistência Jurídica às Vítimas, da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, a quantia desembolsada durante a tramitação do presente caso.
23. O Estado deverá, no prazo de um ano, contado a partir da
notificação desta Sentença, apresentar ao Tribunal um relatório sobre as medidas adotadas para seu cumprimento.
24. A Corte supervisionará o
cumprimento integral desta Sentença, no exercício de suas atribuições e em
cumprimento de seus deveres, conforme a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, e dará por concluído o presente caso tão logo o Estado tenha dado
cabal cumprimento ao que nela se dispõe.
Pessoal, a sentença tem 91 laudas, e
eu resumi o máximo possível.
Trata-se de precedente fundamental
para os concursos em geral, e, em especial, para o VI Concurso da DPU.
Se você acha que essas informações são
relevantes para você, marque o seu amigo.
Grande abraço, vamos em frente e
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Dominoni
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Em, 08/06/2017
Em, 08/06/2017
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O texto ficou fantástico, Marco Dominoni. Muito bem explicado
ResponderExcluirMuito obrigado!!!
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