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Resposta SUPERQUARTA 43 – Políticas Públicas. (Im)Possibilidade de implementação pelo Poder Judiciário?
Ei, galera!!!! Tá todo mundo na atividade, né? Ninguém baixou a guarda com os boatos de que o concurso da AGU não sai não, correto?! Acreditem que vai sair, gente! Se não sair, bom. Se sair, estejam prontos!!!!
A questão formulada foi a seguinte: a entrada das escolas estaduais e municipais do município de Pedrinhas, no Maranhão, é repleta de escadas, não havendo rampas de acesso para cadeirantes.
Diante disso, um grupo de pais procuram você, Defensora Pública da Comarca, para saber o que poderia ser feito no sentido de modificar a situação das pessoas com deficiência naquela unidade federativa.
Com base nessas informações, responda:
a) é possível a adoção de alguma medida em favor daquelas pessoas? Qual?
b) em caso de ajuizamento de eventual ação judicial, poderia o Poder Judiciário determinar a implementação de políticas públicas, sem que se afronte o Princípio da Separação dos Poderes?
A resposta do candidato deverá abordar os aspectos constitucionais dos valores postos em conflito, bem como normativas de direito internacional de que é signatária a República Federativa do Brasil. - máximo 30 linhas.

Tivemos 3 respostas selecionadas. Eis os argumentos:
“Sim, é possível a adoção de providências pela Defensoria Pública visando à melhoria da acessibilidade das escolas públicas do referido Município. A par de eventuais medidas extrajudiciais, como a articulação de reuniões para conscientização dos gestores públicos ou a celebração de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), a ação civil pública se mostra como um efetivo instrumento para a tutela dos direitos dos estudantes com deficiência.
No caso, considerando que tanto escolas públicas MUNICIPAIS, quanto escolas públicas ESTADUAIS, carecem de estrutura física adequada ao atendimento dos estudantes com necessidades especiais, a ação - ou ações - deve ser ajuizada em face do Município de Pedrinhas e do Estado do Maranhão.
Não há que se falar, ademais, em violação ao Princípio da Separação dos Poderes. Conforme já assentado pelo STF, embora caiba, a princípio, aos Poderes Executivo e Legislativo a formulação e a implementação de políticas públicas, é franqueado ao Poder Judiciário, excepcionalmente, determinar sua implementação, quando os órgãos estatais se revelarem omissos. Trata-se da efetivação do "mínimo existencial", complexo de prerrogativas do indivíduo do qual a educação faz parte.
Note-se que o direito à educação é direito fundamental, exaltado no art. 205 da CF/88. A Carta Magna, ademais, no seu art. 206, I, traz como um dos princípios do ensino a "igualdade de condições para o acesso e permanência na escola", o que evidencia o cristalino direito dos estudantes com deficiência a prédios acessíveis. Não só, o art. 227 da CF/88 impõe como dever do Estado a "criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação."
A legislação infraconstitucional escora as normas constitucionais. A LDB, em seu art. 4º, afirma ser dever o Estado o "atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino", circunstância reafirmada pelo ECA, em seu art. 54.
Não suficiente, a necessidade de acessibilização dos prédios escolares encontra amparo na Convenção de Nova York, art. 9º, que traz previsão específica acerca do direito das pessoas com deficiência ao "acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico", com a "eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade". Previsão semelhante pode ser identificada na Lei nº 7.853/89, art. 2º.” Alexandre Jung
Parabéns, Alexandre. Resposta bem completa! O que faltou a Ju Gama e a Ana completaram abaixo. (A expressão sublinhada foi a identificação de um pequeno erro de português, que corrigi).
Ju gama, marcando presença como de costume, mandou assim: “a) No caso em tela, é possível o ajuizamento de ação civil pública, requerendo a realização de reformas nos imóveis a fim de garantir a acessibilidade dos portadores de necessidades especiais.
b) Com o ajuizamento da ação civil pública, o Judiciário poderia determinar a implementação de políticas públicas sem ofensa ao princípio da separação dos poderes, já que a concretização de direitos sociais não pode ficar condicionada ao bel-prazer do administrador. É fundamental nesses casos a atuação do Poder Judiciário como órgão controlador da atuação administrativa.
O STF tem entendido que é possível o controle judicial de políticas públicas desde que presente os seguintes requisitos: a) a natureza constitucional da política pública visada; b) a existência de correlação entre a política pública e os direitos fundamentais; e c) a prova de que há omissão ou prestação deficiente pela Administração, inexistindo justificativa razoável para tal comportamento.
O direito à acessibilidade é previsto constitucionalmente nos artigos 227, § 2º e 244. Ademais, existe íntima correlação entre a acessibilidade e o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como, na situação narrada, ao direito à educação. O Estatuto da Criança e do Adolescente também prevê que é dever do Estado assegurar o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino (art. 54, III), além de assegurar a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (art. 53, I). Ressalta-se ainda que o Brasil é signatário da Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que prevê, em seu artigo 9º, que os Estados tomarão as medidas apropriadas para a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade das pessoas com deficiência. Essa Convenção possui status de emenda constitucional, já que foi aprovada nos termos do § 3º do art. 5º da CF/88.
Vale destacar ainda que a Administração não poderá se valer da teoria da reserva do possível, alegando insuficiência de recursos para implementar a política pública. Isso porque não se pode alegar a reserva do possível diante do mínimo existencial. Nesse sentido o STF entende que , não havendo comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário determine a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político.” Mandou muito bem, Ju Gama!!! Parabéns!
A leitora Ana assim se manifestou: “Sabe-se que a Defensoria Pública é uma das legitimadas para o ajuizamento da ação civil pública (art. 5º, II, Lei 7.347/85) que visa a proteger direitos difusos ou coletivos, dentre outros. No caso concreto abordado verifica-se a violação a direito fundamental à acessibilidade dos portadores de deficiência física, bem como afronta à igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, expressos respectivamente nos arts. 227, §2º e 206, I, da CRFB/88.
Diante disso, a Defensoria pode ajuizar ação civil pública requerendo a adequação das escolas de Pedrinhas a fim de que haja padrões de acessibilidade exigidos para o atendimento do fundamento da dignidade da pessoa humana e do objetivo de construção de uma sociedade justa e solidária, promotora do bem de todos sem discriminação (art. 1º, III e 3º, I e IV da CRFB/88).
A partir do ajuizamento da ação, o Poder Judiciário, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal, poderá dar procedência a ela e determinar que o Poder Público implante a política pública, desde que, no entanto, sejam preenchidos três requisitos: a política pública pleiteada tenha natureza constitucional, haja correlação entre tal política e os direitos fundamentais e se comprove que a omissão ou prestação deficiente pela Administração não tenha justificativa razoável.
Por toda essa análise, conclui-se que não haverá afronta ao princípio da separação dos poderes caso o Poder Judiciário determine a adequação das escolas, já que o direito à acessibilidade é uma política pública de natureza constitucional (art. 227, §2º e 244, CRFB/88). Além disso, o direito à acessibilidade implica em direito fundamental já reconhecido como cláusula pétrea, previsto na Convenção de Nova York, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto 6.949/09, bem como direito fundamental à educação (art. 206, I, CRFB/88). Por fim, não há justificativa plausível da Administração para tal omissão, não devendo o argumento da reserva do possível se sobrepor ao mínimo existencial que deve ser garantido no caso.” Muito boa a resposta, Ana. Bastante concisa, mas tocou nos pontos principais.
A resposta do Alexandre teve um diferencial, pois tocou na possibilidade de celebração de TAC, como instrumento de solução extrajudicial de conflitos, uma das principais Funções Institucionais da Defensoria Pública (artigo 4º, II, da LC 80/94), mormente em se tratando de efetivação de direitos fundamentais violados, e da necessidade de se evitarem demandas desnecessárias - acaso se obtenha a pretensão no âmbito administrativo, tanto melhor! Essa tendência vem ressaltada no artigo 174, III, do novo CPC. Somente para relembrar, o Termo de Ajustamento de Conduta não é um acordo entre o causador do dano e as entidades públicas - até porque estamos diante de direito indisponível. O objetivo do TAC é evitar o ajuizamento da Ação Civil Pública, a partir do momento em que o interessado opta por ajustar suas ações aos termos nele estabelecidos. Firmado o TAC, sequer há a necessidade do ajuizamento da Ação Civil Pública, havendo quem defenda a ausência do interesse de agir, bastando a execução do termo, título executivo extrajudicial (artigo 211, ECA, c/c artigo 585, VIII, CPC).
Senti falta nas três respostas acima da ênfase que deveria ser dada à legitimidade da Defensoria Pública para as ações coletivas lato sensu, uma vez que tivemos recentemente a manifestação definitiva acerca do tema pelo Pretório Excelso, veiculada na notícia abaixo colacionada:
“Plenário julga constitucional legitimidade da Defensoria Pública para propor ação civil pública
Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão nesta quinta-feira (7), julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3943 e considerou constitucional a atribuição da Defensoria Pública em propor ação civil pública. Essa atribuição foi questionada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) sob a alegação de que, tendo sido criada para atender, gratuitamente, cidadãos sem condições de se defender judicialmente, seria impossível para a Defensoria Pública atuar na defesa de interesses coletivos, por meio de ação civil pública.
Seguindo o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, os ministros entenderam que o aumento de atribuições da instituição amplia o acesso à Justiça e é perfeitamente compatível com a Lei Complementar 132/2009 e com as alterações à Constituição Federal promovidas pela Emenda Constitucional 80/2014, que estenderam as atribuições da Defensoria Pública e incluíram a de propor ação civil pública.
A relatora argumentou que não há qualquer vedação constitucional para a proposição desse tipo de ação pela Defensoria, nem norma que atribua ao Ministério Público prerrogativa exclusiva para ajuizar ações de proteção de direitos coletivos. Segundo a ministra, a ausência de conflitos de ordem subjetiva decorrente da atuação das instituições, igualmente essenciais à Justiça, demonstra inexistir prejuízo institucional para o Ministério Público.
“Inexiste nos autos comprovação de afetar essa legitimação, concorrente e autônoma da Defensoria Pública, às atribuições do Ministério Público, ao qual cabe promover, privativamente, ação penal pública, na forma da lei, mas não se tem esse ditame no que diz respeito à ação civil pública”, afirmou.
A ministra salientou que, além de constitucional, a inclusão taxativa da defesa dos direitos coletivos no rol de atribuições da Defensoria Pública é coerente com as novas tendências e crescentes demandas sociais de se garantir e ampliar os instrumentos de acesso à Justiça. Em seu entendimento, não é interesse da sociedade limitar a tutela dos hipossuficientes. Ela lembrou, ainda, que o STF tem atuado para garantir à Defensoria papel de relevância como instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado.
“A ninguém comprometido com a construção e densificação das normas que compõem o sistema constitucional do estado democrático de direito interessa alijar aqueles que, às vezes, têm no Judiciário sua última esperança, pela impossibilidade de ter acesso por meio dessas ações coletivas”, afirmou a relatora, ao evidenciar a possibilidade de, por meio de uma ação coletiva, evitar-se centenas de ações individuais.
A ministra ressaltou, por fim, a importância da ampliação dos legitimados aptos a propor ação para defender a coletividade. Segundo ela, em um país marcado por inegáveis diferenças e por concentração de renda, uma das grandes barreiras para a implementação da democracia e da cidadania ainda é o acesso à Justiça. “O dever estatal de promover políticas públicas tendentes a reduzir ou suprimir essas enormes diferenças passa pela operacionalização dos instrumentos que atendam com eficiência a necessidade de seus cidadãos”, argumentou a ministra Cármen Lúcia. O entendimento da relatora foi seguido por unanimidade no Plenário.”
A questão da legitimidade da Defensoria Pública para as ações coletivas não passou despercebida aos olhos do Márcio André, do Dizer o Direito. Vejam a publicação do referido site:
“STF decide que Defensoria Pública pode propor ACP na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
A Defensoria Pública pode ajuizar ação civil pública?
SIM. Trata-se, inclusive, de previsão expressa da Lei nº 7.347/85 (Lei da ACP):
Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
II — a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448/2007).
A inclusão da Defensoria no rol de legitimados para ajuizar ACP foi determinada pela Lei nº 11.448/2007.
Antes da Lei nº 11.448/2007, a Defensoria tinha legitimidade para propor ACP?
SIM, considerando que o art. 5º, da LACP e o art. 82, II, do CDC já previam que a ACP poderia ser proposta pela União e pelos Estados. Logo, como a DPU é um órgão da União e a DPE é um órgão do Estado, a jurisprudência majoritária entendia que as Defensorias já possuíam legitimidade para a ACP mesmo antes da Lei n.° 11.448/2007. Confira um precedente do STJ neste sentido:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. DEFENSORIA PÚBLICA. INTERESSE. CONSUMIDORES.
A Turma, por maioria, entendeu que a defensoria pública tem legitimidade para propor ação civil pública na defesa do interesse de consumidores. Na espécie, o Nudecon, órgão vinculado à defensoria pública do Estado do Rio de Janeiro, por ser órgão especializado que compõe a administração pública direta do Estado, perfaz a condição expressa no art. 82, III, do CDC. (...)
STJ. 3ª Turma. REsp 555.111-RJ, Rel. Min. Castro Filho, julgado em 5/9/2006.
A alteração promovida pela Lei nº 11.448/2007 foi, no entanto, muito importante porque reforçou ainda mais essa legitimidade:
(...) 2. Este Superior Tribunal de Justiça vem-se posicionando no sentido de que, nos termos do art. 5º, II, da Lei nº 7.347/85 (com a redação dada pela Lei nº 11.448/07), a Defensoria Pública tem legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar em ações civis coletivas que buscam auferir responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências. (...) STJ. 1ª Turma. REsp 912849/RS, Rel. Min. José Delgado, julgado em 26/02/2008.
ADI 3943 proposta pela CONAMP
Nem todos, no entanto, ficaram satisfeitos com a importante novidade legislativa.
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade contestando a constitucionalidade da Lei n.° 11.448/2007, que acrescentou no art. 5º da Lei n.° 7347/85 o inciso que legitima a Defensoria Pública a propor ACP.
A CONAMP alegou que a possibilidade da Defensoria Pública propor, sem restrição, ACP “afeta diretamente” as atribuições do Ministério Público.
Para a entidade, a inclusão da Defensoria Pública afrontaria também os arts. 5º, LXXIV e 134, caput, da CF/88, considerando que a função constitucional da instituição seria a de prestar assistência jurídica integral e gratuita apenas aos hipossuficientes e, no bojo de uma ACP, não teria como ter certeza se a ação estaria beneficiando apenas pessoas carentes ou também indivíduos economicamente ricos.
Assim, a CONAMP pediu que esta inclusão fosse declarada inconstitucional ou, então, que o STF dissesse que a Defensoria Pública não pode ajuizar ACP em matéria de direitos difusos ou coletivos. Segundo a tese da autora, a Defensoria, se pudesse propor ACP, somente poderia fazê-lo quanto a direitos individuais homogêneos e desde que ficasse individualizada e identificada a presença de pessoas economicamente hipossuficientes.
Segundo a autora, a Defensoria Pública foi criada para atender, gratuitamente, aqueles que possuem recursos insuficientes para se defender judicialmente ou que precisam de orientação jurídica, de modo que seria impossível a sua atuação na defesa de interesses difusos e coletivos em razão da dificuldade de identificar quem é carente. No seu entendimento, os atendidos pela Defensoria Pública devem ser, pelo menos, individualizáveis, identificáveis, para que se saiba se a pessoa atendida pela Instituição não possui recursos suficientes para o ingresso em juízo.
O STF concordou com os argumentos da ADI proposta? É inconstitucional a previsão de que a Defensoria Pública pode ajuizar ACP na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos?
NÃO. Não há qualquer inconstitucionalidade na previsão da Lei nº 11.448/2007. Ao contrário, essa lei já era compatível com o texto originário da CF/88 e isso ficou ainda mais claro quando o Congresso Nacional aprovou a EC 80/2014, que alterou a redação do art. 134 da CF/88 prevendo expressamente que a Defensoria Pública tem legitimidade para a defesa de direitos individuais e coletivos (em sentido amplo). Veja:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80/2014)
Desse modo, seja antes da EC 80/2014 e com maior razão depois, a Defensoria Pública possui sim legitimidade para propor ação civil pública na defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
Segundo pontuou a Ministra Cármen Lúcia, em um país como o nosso, marcado por graves desigualdades sociais e pela elevada concentração de renda, uma das grandes barreiras para a implementação da democracia e da cidadania ainda é o efetivo acesso à Justiça. Somente se conseguirá promover políticas públicas para reduzir ou suprimir essas enormes diferenças se forem oferecidos instrumentos que atendam com eficiência às necessidades dos cidadãos na defesa de seus direitos. Nesse sentido, destaca-se a ação civil pública. Dessa feita, não interessa à sociedade restringir o acesso à justiça dos hipossuficientes.
A interpretação sugerida pela CONAMP restringe, sem fundamento jurídico, a possibilidade de utilização da ação civil pública, que é instrumento capaz de garantir a efetividade de direitos fundamentais de pobres e ricos a partir de iniciativa processual da Defensoria Pública.
Exigir que a Defensoria Pública, antes de ajuizar a ACP, comprove a pobreza do público-alvo não é condizente com os princípios e regras norteadores dessa instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, menos ainda com a norma do art. 3º da CF/88.
Vale ressaltar que no momento da liquidação e execução de eventual decisão favorável na ação coletiva, a Defensoria Pública irá fazer a assistência jurídica apenas dos hipossuficientes. Nesta fase é que a tutela de cada membro da coletividade ocorre separadamente.
Além disso, deve-se lembrar que a CF/88 não assegura ao Ministério Público a legitimidade exclusiva para o ajuizamento de ação civil pública. Em outras palavras, a Constituição em nenhum momento disse que só o MP pode propor ACP. Ao contrário, o § 1º do art. 129 da CF/88 afirma que a legitimação do Ministério Público para as ações civis não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei.
Em suma:
É constitucional a Lei nº 11.448/2007, que alterou a Lei n.° 7.347/85, prevendo a Defensoria Pública como um dos legitimados para propor ação civil pública.
Vale ressaltar que, segundo o STF, a Defensoria Pública pode propor ação civil pública na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
STF. Plenário. ADI 3943/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 6 e 7/5/2015 (Info 784).
APROFUNDANDO:
Vou agora aprofundar um pouco mais o tema, tratando de alguns tópicos mais polêmicos e que ainda podem suscitar divergências.
A legitimidade da Defensoria para a ACP é irrestrita, ou seja, a instituição pode propor ACP em todo e qualquer caso?
Apesar de não ser um tema ainda pacífico, a resposta que prevalece é que NÃO.
Assim, a Defensoria Pública, ao ajuizar uma ACP, deverá provar que os interesses discutidos na ação têm pertinência com as suas finalidades institucionais.
Por que se diz que a legitimidade da Defensoria não é irrestrita?
Porque a legitimidade de nenhum dos legitimados do art. 5º é irrestrita, nem mesmo do Ministério Público. O STJ já decidiu, por exemplo, que “o Ministério Público não tem legitimidade ativa para propor ação civil pública na qual busca a suposta defesa de um pequeno grupo de pessoas - no caso, dos associados de um clube, numa óptica predominantemente individual.” (REsp 1109335/SE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/06/2011).
Qual é enfim o parâmetro para a legitimidade da Defensoria na ACP?
A doutrina majoritária tem defendido que a Defensoria só tem adequada representação se estiver defendendo interesses relacionados com seus objetivos institucionais e que se encontram previstos no art. 134 da CF.
Em outras palavras, a Defensoria Pública somente poderia propor uma ACP se os direitos nela veiculados, de algum modo, estiverem relacionados à proteção dos interesses dos hipossuficientes (“necessitados”, ou seja, indivíduos com “insuficiência de recursos”). Esse foi o entendimento sustentado pela 4ª Turma do STJ no REsp 1.192.577-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/5/2014.
Segundo a posição tranquila no STJ, a Defensoria Pública só tem legitimidade ativa para ações coletivas se elas estiverem relacionadas com as funções institucionais conferidas pela CF/88, ou seja, se tiverem por objetivo beneficiar os necessitados que não tiverem suficiência de recursos (CF/88, art. 5º, LXXIV).
A própria Lei Orgânica da Defensoria Pública (Lei Complementar n.° 80/94) nos faz concluir dessa forma:
Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:
(...)
VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes; (Redação dada pela LC 132/2009).
VIII – exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal; (Redação dada pela LC 132/2009).
X – promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela; (Redação dada pela LC 132/2009).
XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado; (Redação dada pela LC 132/2009).
No julgamento da ADI 3943, acima explicada, diversos Ministros manifestaram esse mesmo entendimento.
A Min. Cármen Lúcia, em determinado trecho de seu voto, afirmou:
“Não se está a afirmar a desnecessidade de a Defensoria Pública observar o preceito do art. 5º, LXXIV, da CF, reiterado no art. 134 — antes e depois da EC 80/2014. No exercício de sua atribuição constitucional, é necessário averiguar a compatibilidade dos interesses e direitos que a instituição protege com os possíveis beneficiários de quaisquer das ações ajuizadas, mesmo em ação civil pública.”
O Min. Roberto Barroso corroborou essa conclusão e afirmou que o fato de se estabelecer que a Defensoria Pública tem legitimidade, em tese, para ações civis públicas não exclui a possibilidade de, em um eventual caso concreto, não se reconhecer a legitimidade da Instituição. Em tom descontraído, o Ministro afirmou que a Defensoria não teria legitimidade, por exemplo, no caso concreto, para uma ação civil pública na defesa dos sócios do “Yatch Club”. E dando outro exemplo extremo, afirmou que a Defensoria não teria legitimidade, no caso concreto, para ajuizar uma ação civil pública em favor dos clientes “Personnalité” do Banco Itaú.
O Min. Teori Zavascki segue na mesma linha e afirma que existe uma condição implícita na legitimidade da Defensoria Pública para ações civis públicas que é o fato de ela ter que defender interesses de pessoas hipossuficientes, sendo esta uma condição imposta pelo art. 134 da CF/88.
A Min. Rosa Weber também deixou claro que a Defensoria Pública tem legitimidade para propor ações civis públicas, mas que o juízo poderá aferir, no caso concreto, sua adequada representação.
Atenção. Não confunda: não se está dizendo que a Defensoria Pública só pode propor ACP se os direitos discutidos envolverem apenas pessoas “pobres”. Essa era a tese da CONAMP, que foi rechaçada pelo STF. O que estou afirmando é que, para a Defensoria Pública ajuizar a ACP aquele interesse discutido na lide tem que, de algum modo, favorecer seu público-alvo (hipossuficientes), ainda que beneficie outras pessoas também.
Análise da legitimidade da Defensoria Pública segundo a natureza do direito tutelado:

Direitos
DIFUSOS
COLETIVOS
Direitos
INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
A legitimidade da Defensoria Pública é ampla.
Assim, a DP poderá propor a ação coletiva tutelando direitos difusos, considerando que isso beneficiará também as pessoas necessitadas.
No caso de ACP para a tutela de direitos coletivos e individuais homogêneos, a legitimidade da DP é mais restrita e, para que seja possível o ajuizamento, é indispensável que, dentre os beneficiados com a decisão, também haja pessoas necessitadas.

A legitimidade da Defensoria Pública é ampla.
Assim, a DP poderá propor a ação coletiva tutelando direitos difusos, considerando que isso beneficiará também as pessoas necessitadas.
No caso de ACP para a tutela de direitos coletivos e individuais homogêneos, a legitimidade da DP é mais restrita e, para que seja possível o ajuizamento, é indispensável que, dentre os beneficiados com a decisão, também haja pessoas necessitadas.
Se o interesse defendido beneficiar pessoas economicamente abastadas e também hipossuficientes, a Defensoria terá legitimidade para a ACP?
SIM, considerando que, no processo coletivo, vigoram os princípios do máximo benefício, da máxima efetividade e da máxima amplitude.
Dessa feita, podendo haver hipossuficientes beneficiados pelo resultado da demanda deve-se admitir a legitimidade da Defensoria Pública.
É o caso, por exemplo, de consumidores de energia elétrica, que tanto podem abranger pessoas com alto poder aquisitivo como hipossuficientes:
LEGITIMIDADE. DEFENSORIA PÚBLICA. AÇÃO COLETIVA.
A Turma, ao prosseguir o julgamento, entendeu que a Defensoria Pública tem legitimidade para ajuizar ação civil coletiva em benefício dos consumidores de energia elétrica, conforme dispõe o art. 5º, II, da Lei nº 7.347/1985, com redação dada pela Lei nº 11.448/2007. (...) REsp 912.849-RS, Rel. Min. José Delgado, julgado em 26/2/2008 (Info 346).
Exemplo em que o STJ reconheceu não haver legitimidade, no caso concreto, para a Defensoria Pública propor ACP:
Segundo decidiu o STJ, a Defensoria Pública não tem legitimidade para ajuizar ACP em favor de consumidores de plano de saúde particular. Para a Corte, ao optar por contratar plano particular de saúde, parece intuitivo que não se está diante de um consumidor que possa ser considerado necessitado, a ponto de ser patrocinado, de forma coletiva, pela Defensoria Pública.
Ao revés, trata-se de grupo que, ao demonstrar capacidade para arcar com assistência de saúde privada, presume-se em condições de arcar com as despesas inerentes aos serviços jurídicos de que necessita, sem prejuízo de sua subsistência, não havendo que se falar em hipossuficiência.
Assim, o grupo em questão não é apto a conferir legitimidade ativa adequada à Defensoria Pública, para fins de ajuizamento de ação civil. STJ. 4ª Turma. REsp 1.192.577-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/5/2014 (Info 541).” (http://www.dizerodireito.com.br/2015/05/stf-decide-que-defensoria-publica-pode.html)
Além disso, colaciono julgados do STF acerca da possibilidade de implementação de políticas públicas pelo Poder Judiciário, notícia veiculada no informativo 726:
“PRIMEIRA TURMA - Entes públicos e acessibilidade – 1/2:
É dever do Estado-membro remover toda e qualquer barreira física, bem como proceder a reformas e adaptações necessárias, de modo a permitir o acesso de pessoas com restrição locomotora à escola pública. Com base nessa orientação, a 1ª Turma deu provimento a recurso extraordinário em que discutido: a) se o ato de se determinar à Administração Pública a realização de obras significaria olvidar o princípio da separação dos Poderes, porquanto se trataria de ato discricionário; b) se necessário o exame de disponibilidade orçamentária do ente estatal. Consignou-se que a Constituição (artigos 227, § 2º, e 244), a Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, a Lei 7.853/1989; e as Leis paulistas 5.500/1986 e 9.086/1995 asseguram o direito das pessoas com deficiência ao acesso a prédios públicos. Frisou-se o dever de a Administração adotar providências que viabilizassem essa acessibilidade. Pontuou-se presente o controle jurisdicional de políticas públicas. Asseverou-se a existência de todos os requisitos a viabilizar a incursão judicial nesse campo, a saber: a natureza constitucional da política pública reclamada; a existência de correlação entre ela e os direitos fundamentais; a prova de que haveria omissão ou prestação deficiente pela Administração Pública, inexistindo justificativa razoável para esse comportamento. Destacou-se a promulgação, por meio do Decreto 6.949/2009, da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, incorporado ao cenário normativo brasileiro segundo o procedimento previsto no § 3º do art. 5º da Constituição. Ressalvou-se o disposto no artigo 9º do mencionado decreto [“1. A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural. Essas medidas, que incluirão a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade, serão aplicadas, entre outros, a: a) Edifícios, rodovias, meios de transporte e outras instalações internas e externas, inclusive escolas, residências, instalações médicas e local de trabalho”].
Sublinhou-se que, ao remeter à lei a disciplina da matéria, a Constituição não obstaculizou a atuação do Poder Judiciário, em especial quando em debate a dignidade da pessoa humana e a busca de uma sociedade justa e solidária (CF, artigos 1º, III, e 3º, I). Reputou-se que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais teriam aplicação imediata, sem que fossem excluídos outros direitos decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil fosse parte (CF, art. 5º, §§ 1º e 2º). Assinalou-se que o acesso ao Judiciário para reclamar contra lesão ou ameaça de lesão a direito seria cláusula pétrea. Observou-se que a acessibilidade, quando se tratasse de escola pública, seria primordial ao pleno desenvolvimento da pessoa (CF, art. 205). Lembrou-se que o art. 206, I, da CF asseguraria, ainda, a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. Registrou-se que barreiras arquitetônicas que impedissem a locomoção de pessoas acarretariam inobservância à regra constitucional, a colocar cidadãos em desvantagem no tocante à coletividade. Concluiu-se que a imposição quanto à acessibilidade aos prédios públicos seria reforçada pelo direito à cidadania, ao qual teriam jus as pessoas com deficiência. RE 440028/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 29.10.2013.”
Esta questão pode ser cobrada em concursos para Defensorias e Ministério Público – devendo ser respondida da forma como indicada – e para as Procuradorias, devendo-se priorizar o rigor na Separação dos Poderes, havendo doutrina de peso defendendo a impossibilidade de implementação de políticas públicas pelo Poder Judiciário por diversas razões. Mas isso é papo para outra Superquarta!

Por fim, vamos organizar nosso vade?
Remissão no vade: artigos 1º, III, c/c, 3º, I, art. 5º, §§ 1º e 2º, c/c, 205, c/c 206, I c/c 227, § 2º, c/c 244, todos da Constituição da República/88, c/c artigo 9º, da Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Convenção de Nova York - status de EC), c/c artigo 53, I, do ECA, c/c artigo 2º, da Lei nº 7.853/89.
Vejam que com essa remissão vocês irão organizar melhor a resposta numa prova, fundamentando 1º, na Constituição; 2º, em norma internacional com status de EC; 3º em normas infraconstitucionais. Observem isso e vejam suas notas aumentarem consideravelmente!
Grande abraço a todos, vamos em frente e contem comigo!!!
Dominoni

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