Prezados alunos bom dia! Prof. Eduardo aqui com vocês.
Imaginem a seguinte situação: a empresa PARMA LTDA deve R$ 1.000.000,00 a União, bem como o mesmo valor para o Estado de SP e o Município de Ourinhos, onde é sediada. Todos os valores são débitos tributários.
Seu patrimônio, contudo, não é suficiente para pagamento de todos os credores, havendo bens aptos a saldar o débito apenas com um deles. Em outras palavras, o débito tributário é de R$ 3.000.000,00, mas só há R$ 1.000.000,00 de patrimônio.
Como resolver essa situação?
Pois bem, o CTN traz a resposta:
Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)
Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem:
I - União;
II - Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pró rata;
III - Municípios, conjuntamente e pró rata.
A LEF (Lei de Execuções Fiscais) segue no mesmo sentido:
Art. 29 - A cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento
Parágrafo Único - O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem:
I - União e suas autarquias;
II - Estados, Distrito Federal e Territórios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata;
III - Municípios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata.
O STF também já sumulou o assunto:
Súmula 563 - O concurso de preferência a que se refere o parágrafo único do art. 187 do Código Tributário Nacional é compatível com o disposto no art. 9º, I, da Constituição Federal.
Assim, nesse caso, a União receberia seu crédito, e os demais entes federados não. Se houvesse R$ 2.000.000,00 de patrimônio, a União e o Estado receberiam e o Município não.
Havia uma prioridade de recebimento na ausência de patrimônio: a União e seus entes receberiam primeiro, após os Estados e, sobrando bens, os Municípios.
Era assim até ontem! Agora tudo mudou, tivemos uma reviravolta jurisprudencial no STF.
Agora, o STF entendeu que os dispositivos acima citados não foram recepcionados pela CF.
Nesse sentido, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a preferência da União em relação a estados, municípios e Distrito Federal na cobrança judicial de créditos da dívida ativa não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. A maioria do colegiado seguiu o entendimento da relatora, ministra Cármen Lúcia, que propôs a invalidade de dispositivos do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966) e da Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830/1980), além do cancelamento da Súmula 563, editada pelo Supremo em 1976.
Histórico do federalismo
Lembrando que a discussão a respeito do tema não é nova no Supremo, a relatora observou que as Constituições brasileiras não comportavam, até a Emenda Constitucional 1/1969, norma expressa impeditiva da discriminação entre os entes federados, o que viabilizou, durante longo período, o concurso de preferência e prevalência de uns entes federados sobre outros.
Para contextualizar o tema, Cármen Lúcia traçou um histórico do federalismo por meio dos votos de ministros, nas décadas de 1960 e 1970, que moldaram a formulação, em 1976, da Súmula 563. A interpretação indicava a preferência da União na execução fiscal como compatível com o texto constitucional vigente na época.
Nova ordem constitucional
"O tema é sensível e merece ser reapreciado à luz das normas constitucionais inauguradas pela Constituição de 1988”, observou a ministra em seu voto. Para ela, após a promulgação da Constituição de 1988, os entes federativos se tornaram autônomos, e o tratamento entre eles passou a ser isonômico.
De acordo com a ministra, a repartição de competências é o "coração da Federação" que, diante da complexidade política e geográfica do território brasileiro, deve se pautar pela autonomia dos entes. No plano internacional, Cármen Lúcia ponderou que a União é soberana. Porém, no plano interno, ela "é autônoma e iguala-se aos demais entes federados, sem hierarquia, com competências próprias".
A relatora concluiu que o estabelecimento de hierarquia entre pessoas jurídicas de direito público interno para crédito de tributos contraria o artigo 19, inciso III, da Constituição de 1988, que veda à União e aos demais entes federativos criar preferências entre si. Seguiram esse entendimento a ministra Rosa Weber e os ministros Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Luiz Fux.
Vejam a posição do prof. Paulo de Barros Carvalho:
“(...) sua inconstitucionalidade ressalta ao primeiro súbito de vista. É flagrante, insofismável e vitanda, sob qualquer ângulo pelo qual pretendamos encará-la”. Fere, de maneira frontal e grosseira, o magno princípio da isonomia das pessoas políticas de direito constitucional interno, rompendo o equilíbrio que o texto superior consagra e prestigia. Discrimina a União, em detrimento dos Estados, e estes, juntamente com o Distrito Federal, em prejuízo dos Municípios, quando sabemos que estão juridicamente parificados, coexistindo num clima de isonomia . E, como se isso não bastasse, dá preferência aos Territórios, que não têm personalidade política, com relação aos Municípios. Lamentavelmente, a ordem preferencial que o art. 187, parágrafo único, cristaliza na redação de seu texto vem sendo passivelmente acolhida e cordatamente aplicada, sem que o meio jurídico nacional se dê conta da manifesta inconstitucionalidade que encerra no seu significado em face do sistema do direito positivo brasileiro. Exclamam algumas vozes, como as de Geraldo Ataliba, Michel Temer, Roque Carrazza e poucos mais, sem que delas façam eco os pronunciamentos do Poder Judiciário” ( Curso de direito tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 654 – grifos nossos).
Ou seja, foram fundamentos para não recepção do dispositivos: 1- princípio federativo; 2- proibição de que os Entes Federados estabeleçam preferências entre si; 2- princípio da igualdade entre as pessoas políticas.
Citações interessantes para eventuais provas discursivas:
1- Para Karl Lowenstein, o federalismo “é o enfrentamento entre duas soberanias estatais diferentes, separadas territorialmente e que se equilibram mutuamente. A existência de balizas constitucionais limita o poder do Estado central sobre o Estado-membro, e vice-versa” ( Teoria de la Constitucion. Tradução Alfredo Gallego Anabitarte. 2. ed. Barcelona: Ariel, 1979, p. 353).
2- A autonomia dos entes federados e a isonomia é a tônica central entre eles, respeitando-se a distribuição de competências estabelecidas pela Constituição, alicerce para o manutenção do modelo jurídico-constitucional adotado. Daí porque a repartição de competências é o coração da Federação, na feliz expressão do então Ministro da Justiça do governo provisória, Campos Salles, nos albores federativos.
3- Sobre o princípio da igualdade das pessoas políticas, Carlos Ari Sundfeld assentou: “(....) o Estado brasileiro não é unitário, já que suas atribuições são descentralizadas entre os entes – União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, sendo esses absolutamente iguais entre si, pois são criaturas da Constituição, que outorgou a cada qual uma esfera irredutível e impenetrável de competências, exercidas com total independência ” ( Fundamentos de direito público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 185 – grifos nossos).
4- Na atual ordem constitucional vigente, rompeu-se com esse entendimento pela adoção do federalismo de cooperação e de equilíbrio pela Constituição da República de 1988, pelo que não se pode ter como válida a distinção, por lei, de distinção e hierarquia entre os entes federados, fora de previsão constitucional e sem especificação de finalidade federativa válida.
Certo amigos?
Eduardo, em 25/06/2021
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Fonte- STF - decisão da Min Carmen Lúcia.
Parabéns pela postagem! Acompanhar o blog se tornou um dever diário para quem vive o mundo dos concursos.
ResponderExcluirMuito boa a explicação, mas e em relação a pergunta? como será resolvido o problema? o patrimônio do devedor será dividido e dado aos entes em partes iguais? será dado ao 1º credor constituído?
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