Olá meus amigos, tudo bem?
Hoje vou falar um pouco da minha rotina para vocês. Muitos perguntam e sempre fico de escrever, mas nunca o faço. Vamos lá.
Primeiro, que procurador da República não é procurador do Estado, nem de Município e muito menos do INSS. Grosso modo, somos promotores de Justiça na Justiça Federal, ou seja, exercemos as funções de Ministério Público na Justiça Federal.
Trata-se de um cargo nacional, então o trabalho muda muito conforme a realidade do país também muda. Em cada lugar ou região temos demandas diferentes.
No norte muitas questões ambientais, de combate a corrupção, mineração, indígenas. No sul, principalmente o contrabando e o descaminho. No Estado de São Paulo grandes crimes financeiros. No Nordeste terrenos de marinha, quilombolas, muitas fraudes previdenciárias etc. Em Brasilia muitos questionamento a atos dos Poderes da República. Enfim, em cada lugar do país uma demanda diferente, razão pela qual vou contar para vocês a minha experiência ao longo de quase 10 anos de MPF.
Comecei minha carreira em Tefé/AM, onde a principal forma de atuação era cível, basicamente direitos indígenas, ambiental e combate à corrupção. No Norte do país como um todo esses são os grandes temas do MPF: indígenas, combate à mineração indevida e ao desmatamento, bem como combate à corrupção (e aqui digo corrupção da mais simples mesmo, como desvio de dinheiro de merenda, de convênios transferidos pela União etc). Quase não fazia audiências nesses período, sendo o trabalho basicamente conduzir inquéritos civis públicos.
Após me removi para Naviraí e na sequência Dourados, ambas no MS. Trato das duas juntas, pois são cidades que fazem divisa, então o trabalho é praticamente o mesmo. Nessas cidades, temos uma atuação que representa outro pilar do MPF: o combate ao crime de fronteira.
A fronteira com o Paraguai (e também com a Bolívia) representa a entrada de mais de 70% de drogas no país, bem como de contrabando e descaminho. E a atuação do MPF está diretamente ligada a isso. Basicamente, nas regiões de fronteira, atuamos no crime, combate ao tráfico de drogas, de pessoas, ao contrabando e descaminho.
Isso torna a rotina muito pesada. São centenas de audiências de custódias por ano, centenas de flagrantes, centenas de audiências criminais de instrução e julgamento. Isso toma todo o tempo do procurador da República.
Procuradores de fronteira são procuradores criminais.
Importante dizer que no Mato Grosso do Sul há ofícios indígenas, que fazem apenas tutela coletiva indígena, sem audiências, o que não era o meu caso. O meu ofício era criminal.
Além disso, fazia o controle de atos administrativos da UFGD, uma Universidade Federal. O MPF atua fortemente junto às Universidades, quer seja em parceria, quer seja controlando seus atos reputados ilegais. Me lembro, por exemplo, de ter atuado em vários processos onde se alegava fraude em concursos da Universidade, em irregularidades na eleição de reitor, mas também já ter feito parcerias e convênios com a Universidade para destinar recursos a projetos de interesse comum.
Agora me removi para o interior de SP, onde as demandas para o MPF são significativamente menores. O interior de SP não é fronteira, não possui muitas comunidades indígenas ou quilombolas, na minha jurisdição não temos Parques Nacionais ou Rodovias Federais. A atuação do MPF onde eu trabalho hoje é basicamente a questão ambiental de um rio federal que temos por aqui, bem como crimes que eventualmente ocorrem (contrabando, descaminho, fraudes previdenciárias etc), mas em volume muito menor do que nos Estados que fazem fronteira direta com o Paraguai e a Bolívia.
Em SP, contudo, e aqui estou falando da capital, há muitas oportunidades de trabalho, como no combate a pornografia infantil via internet, combate a grandes crimes financeiros e à lavagem de dinheiro. Mesmo esses crimes ocorrendo no interior, a competência é da capital, então acaba que no interior não temos muitas grandes operações.
Além das atribuições de Jales, tenho um segundo ofício de Juizado Especial Federal. Confesso que escolhi esse ofício de juizado para cumular por ser mais tranquilo, haja vista que permaneci quase 07 anos na fronteira, período que foi muito desgastante. Se eu não escolhesse esse ofício de juizado poderia ter escolhido um ofício para atuar nas Penitenciárias Federais, por exemplo, e sopesando ambos entendi que o de Juizado era mais tranquilo, embora eu goste muito do trabalho feito em penitenciárias.
Falando em penitenciárias federais, esse é um trabalho muito bom de ser feito no MPF. Atuamos nas execuções penais dos criminosos mais perigosos do país, sendo essa atuação, contudo, segura, sem registros de ameaças a procuradores. Já trabalhei alguns dias na P. Federal de Catanduva e muitos dias na P. Federal de Campo Grande, e gostei muito.
Sobre o dia a dia.
Normalmente no MPF temos menos processos que no MP dos Estados e uma equipe de trabalho muito boa. Sempre trabalharam comigo 02 analistas, 01 técnico e 02 estagiários, todos muito qualificados. Os servidores do MPF no geral são muito bons mesmo. Acredito, contudo, que no geral nossos processos sejam mais complexos do que os do MP dos Estados.
Esses dias precisei de uma perícia, e a servidora da PGR me mandou um trabalho excepcional. Ou seja, temos tudo que precisamos para bem trabalhar.
As audiências, temos ou não a depender da lotação. Em Tefé eu quase não tinha. Em Dourados vivia para fazer audiências. Em Jales tenho poucas. Hoje praticamente todas são virtuais.
Quase não temos Tribunal do Júri, mas quando temos a PGR tem um grupo de apoio incrível que atua em conjunto com o procurador do caso, se ele solicitar.
O contato com a população é geral, pois o MPF atua mais em questões federais e menos em questões privadas.
Temos muitas oportunidades de trabalho: ser requisitado para trabalhar na PGR (assessoria criminal que atua no STF, por exemplo), no TSE (eleitoral), em grupos de trabalhos das mais diversas áreas, atuação em grandes operações (por meio dos GAECOS, por exemplo), atuação em questões de raça, gênero, direitos humanos, enfim, muitas áreas mesmo e tem espaço para todas as vocações e visões de mundo.
Teletrabalho, praticamente não existe para membro. Temos moradia fora da sede (meu ofício é de Jales, mas como minha unidade está fechando a PGR me autorizou a morar em Rio Preto, por exemplo). A moradia fora de sede é fácil de conseguir para cidades próximas (1h30min de distância).
A remuneração é excelente, e pode ser consultada no portal da transparência.
É um cargo muito seguro. Em 10 anos, praticamente nunca me senti inseguro com nada.
As lotações iniciais - vejam aqui.
No mais, sou muito feliz com meu cargo, me dedico o máximo que posso e mantenho o trabalho 100% em ordem. Sou meio acelerado e realmente não consigo dormir com desordem ou com um processo que seja pendente de ser feito rsrsrs.
No mais, se preparem que em breve teremos concurso do MPF. Qualquer dúvida, mandem mensagem que eu respondo.
Eduardo, em 26/10/2023
No instagram @eduardorgoncalves
Muito bom saber um pouco da dinâmica interna falado por um membro. Se possível, traga alguém da magistratura federal.
ResponderExcluirExcelente post, professor! Traz um gostinho de quero mais para quem ainda tá no sonho/objetivo. Ao que parece, esse próximo concurso tem tido uma dinâmica atípica, não é? Arrisca uma previsão da data da prova?
ResponderExcluirPoderia falar mais da carreira de delegado da polícia federal. E como é a relação entre o Procurador da República com o Delegado da pf no dia a dia.
ResponderExcluirÓtimo post! Poderia fazer dele uma "série" a parte, trazendo profissionais de diversas áreas para explicarem como é a sua rotina (juízes de direito, federais, promotores, procuradores municipais e estaduais, defesores públicos, advogados públicos etc.)!
ResponderExcluirmuito bom!! eu tinha muita vontade de MPF para lidar com questões de direitos difusos e direito público. atualmente, ando meio desanimado com os concursos. Esse relato reacendeu o ânimo. Traga mais, por favor!!!
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