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PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS HERMENÊUTICOS DE KONRAD HESSE



A obra de Konrad Hesse teve papel relevante na superação do modelo de Constituição como documento essencialmente político, predominante na Europa até meados do século XX. A Constituição, para Hesse, deve ser compreendida como a ordem jurídica fundamental de uma sociedade, que se estrutura a partir de certos princípios fundamentais.
Para o autor, ao contrário da tese defendida por Ferdinand Lassalle (concepção sociológica de Constituição – lembram dela?), nem sempre os “fatores reais de poder” prevalecem sobre a Constituição normativa. A Constituição “real” e a Constituição “jurídica” possuem uma relação de coordenação, condicionando-se mutuamente.
A Constituição, portanto, não configura mera “expressão do ser”, mas também do dever-ser e, muito além de simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, possui força normativa capaz de imprimir ordem e conformação à realidade política e social.[1] O reconhecimento definitivo da força normativa das constituições é uma das principais conquistas do constitucionalismo contemporâneo.
Mas a realização e efetividade da Constituição, sublinha Hesse, depende de sua capacidade de atuar e operar na vida política, das circunstancias históricas e, com especial destaque, da vontade de Constituição.[2] Afinal, a Constituição só se transforma em força ativa se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida.
Konrad Hesse, além da tese da força normativa da Constituição, desenvolveu, conjuntamente, a defesa da abertura constitucional. Esta deve trazer, portanto, conteúdo relativamente vago e indeterminado, necessária à sua abertura ao tempo. Nesses termos, a Constituição adequada é aquela na qual projetos alternativos de vida sejam capazes de conviver sem sucumbirem, recebendo a possibilidade efetiva de participarem com igualdade do jogo democrático.[3]
É nesse contexto em que Konrad Hesse desenvolveu os célebres (e incessantemente cobrados em concursos públicos) princípios de interpretação constitucional, a partir de seu método hermenêutico-concretizador. Isso porque, como se percebe, as normas constitucionais seriam dotadas de particularidades e merecedoras de métodos próprios. São eles:
1) Unidade da Constituição: de acordo com este vetor, o intérprete deve ter uma compreensão global das regras e princípios que compõem a Constituição, para que possa harmonizar as tensões e (aparentes) contradições existentes entre as normas constitucionais, o que é natural decorrência do pluralismo e do antagonismo de ideias subjacentes ao “pacto fundador”. As normas constitucionais, portanto, devem ser tidas como integrantes de um sistema unitário, havendo entre elas conexão e interdependência. Trata-se, como se percebe, de uma especialização da interpretação sistemática.
A tese da hierarquia entre normas constitucionais era sustentada por Otto Bachof. Contudo, o caráter unitário da Constituição impede o estabelecimento de uma hierarquia normativa entre seus dispositivos. É por isso que prevalece na doutrina pátria e entre os Ministros do STF não haver hierarquia entre as normas constitucionais, situando-as todas no mesmo plano de igualdade. O princípio da unidade hierárquico-normativa também impede a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de norma constitucional originária. Afinal, todas decorrem da mesma fonte: o poder constituinte originário.
2) Concordância prática: a exigência de concordância prática decorre justamente da necessidade de se preservar a unidade da Constituição e tem sido invocado para resolver colisões entre direitos fundamentais ou entre estes e outros bens jurídicos constitucionalmente protegidos (ex: desenvolvimento econômico vs. meio ambiente; liberdade de imprensa vs. privacidade). Havendo colisão (à luz de um caso concreto – afinal, a concordância é “prática”) de princípios, o intérprete deve ponderar os bens em tensão, realizando, preferencialmente, uma redução proporcional (ou seja, concessões recíprocas) de modo que a aplicação de uma norma não implique sacrifício ou extirpação total da outra norma. Em que pese alguma divergência doutrinária, a concordância prática muito se assemelha ao modelo de ponderação de Robert Alexy.
3) Efeito integrador: mais uma manifestação da unidade da Constituição, entende-se que ela, como elemento de processo de integração comunitária, tem por escopo a produção e conservação da unidade político-social. Por isso mesmo, o intérprete, ao se deparar com problemas jurídico-constitucionais, deve buscar “soluções pluralisticamente integradoras”.[4] A Constituição jamais pode ser interpretada como instrumento de desagregação social.
4) Conformidade (justeza ou exatidão) funcional: como se sabe, a Constituição estabelece os fundamentos de organização política do Estado, definindo e ordenando as suas funções e repartindo suas competências. Intimamente associado à separação de poderes e comumente invocado para limitar o “ativismo judicial”, impõe que nenhuma interpretação realizada por um órgão pode conduzir a uma usurpação de competência ou de função dos demais. Evita-se, assim, que os encarregados de interpretar a Constituição subvertam o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido, em diretriz voltada, sobretudo, às Cortes Constitucionais.
Utilizando-se desse vetor, Marcelo Novelino[5] sustenta ser incompatível com a conformidade funcional “a proposta de mutação constitucional do papel do Senado quando da declaração de inconstitucionalidade de leis pelo Supremo em controle difuso-incidental” (art. 52, inciso X, da CRFB). Não é esse, contudo, o atual entendimento dominante no STF. Com a mutação constitucional do art. 52, inciso X, sustentada pela maioria dos Ministros nas ADIs 3.406 e 3.470, passar-se-ia a extrair norma no sentido de que a resolução do Senado Federal serve apenas para conceder publicidade à decisão do Supremo, que já nasce com efeitos erga omnes e vinculantes. Sobre o tema, aliás, o professor Rafael Bravo fez interessante postagem em diálogo com a teoria da transcendência dos motivos determinantes. Não deixem de ler!
5) Força normativa da Constituição: trata-se de um verdadeiro apelo ao intérprete, como representação de um objetivo a ser perseguido. Na solução dos problemas constitucionais, deve-se dar prevalência aos argumentos que, levando em conta os pressupostos normativos da Constituição, contribuam ou conduzam a uma eficácia máxima. Ora, as normas constitucionais precisam sair do texto para regular a realidade. Cumpre ao intérprete, atento aos aspectos históricos, sociológicos e temporais, preservar a força normativa da Constituição, através de um constante trabalho de atualização de suas normas, garantindo a sua ótima eficácia e permanência.
6) Máxima efetividade: intimamente ligado ao princípio da concordância prática e verdadeira manifestação da força normativa da Constituição, este vetor orienta os aplicadores de suas normas no sentido de as interpretarem a fim de que seja otimizada sua eficácia, visando otimizá-las ou maximizá-las. No caso dos direitos fundamentais, representa um apelo para que densifiquem seus preceitos por meio de interpretações expansivas. Em outras palavras: deve-se atribuir aos dispositivos constitucionais, em especial aqueles que consagram direitos fundamentais, o sentido capaz de conferir a maior efetividade possível.
7) Interpretação conforme a Constituição: considerando a abertura semântica de boa parte dos dispositivos infraconstitucionais, o que leva a uma pluralidade de sentidos possíveis (normas polissêmicas), a interpretação conforme impõe que se busque não apenas os sentidos em consonância com o padrão constitucional (eliminando quaisquer outros que não se adéquem a ele), mas, dentre eles, o que confere maior efetividade à Constituição. Ou seja: caso existam várias interpretações em conformidade com a Constituição, deve-se adotar aquela que “melhor realize a Constituição”[6], através da chamada “filtragem constitucional”.
Este princípio também visa prestigiar a presunção de constitucionalidade que milita em favor das leis, buscando-se a conservação das normas oriundas das instâncias deliberativas políticas e democráticas, como o Parlamento. É justamente considerando que a dúvida milita a favor da manutenção das leis que, quando da interpretação de dispositivos infraconstitucionais plurissignificativos, deve-se optar pelo sentido compatível com a Constituição.
Ademais, tradicionalmente, afirma-se que a interpretação conforme encontra limite no sentido inequívoco do dispositivo legal, não sendo permitido ao intérprete contrariar sua literalidade a pretexto de obter a sua concordância com a Constituição.
Contudo, à luz da jurisprudência do STF, a interpretação conforme se apresenta não apenas como uma perspectiva hermenêutica (ou seja, regra de interpretação), mas também como verdadeira técnica de controle de constitucionalidade.
Mas qual a distinção entre interpretação conforme e declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto no âmbito do controle de constitucionalidade? Em ambas há uma redução do âmbito de aplicação de dispositivos com mais de uma interpretação possível, sem qualquer alteração de seu texto. A despeito das semelhanças, na interpretação conforme é conferido apenas um sentido à norma e são afastados todos os demais eventualmente analisados, enquanto na declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto é excluída uma determinada interpretação, permitindo-se as demais comportadas pelo texto. Como se percebe, só há diferença prática entre elas quando o dispositivo possui três ou mais significados possíveis

Luís Henrique Linhares Zouein é defensor público substituto do estado do Rio de Janeiro e pós-graduado em Direito Público e Privado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.
No instagram @lhlzouein

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