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AUTONOMIAS DAS DEFENSORIAS PÚBLICAS - ATENÇÃO TEMA IMPORTANTE PARA DIREITO INSTITUCIONAL DA DEFENSORIA
“Entre
gritos de uma oposição institucional e associativa organizada, que ainda hoje
ecoam, a Defensoria Pública nasce: frágil, assustada, incapaz, mas também
subestimada por tudo e por todos. Se a República acordou em 1988, pode-se dizer
que a Defensoria Pública começou a sonhar. Uma espécie de ‘departamento’ de um
Ministério ou Secretária do Poder Executivo: eis uma síntese da Defensoria na
primeira formatação do seu regramento jurídico pelo constituinte originário.
Submetida a mandos e não raras vezes tratada como uma instituição coadjuvante,
a Defensoria inevitavelmente – e surpreendentemente – ganha corpo, cresce (...)”.
(Caio Paiva e Tiago Fensterseifer – Comentários à Lei Nacional da Defensoria
Pública)
A Constituição Federal, ao
organizar os Poderes Estatais, não se limitou às descentralizações tradicionais
da tripartição de poderes, sendo instituído, nas clássicas lições de Diogo de
Figueiredo, um quarto complexo orgânico
que recebeu a seu cargo o exercício de uma quarta função política: a função de provedoria de justiça.
A Defensoria Pública, portanto, não
se encontra vinculada a nenhum dos Poderes Estatais. Em verdade, trata-se de
uma instituição extrapoder, com
autonomia necessária para que possa atuar de maneira ativa na busca por seus
objetivos institucionais.
As autonomias funcional, administrativa
e financeira são instrumentos que
garantem liberdade de atuação à instituição, protegendo-a contra eventuais
ingerências políticas ou represálias administrativas e financeiras. O menos
afortunado deve ser assistido, em suas questões contra poderosos e até contra o
Estado por quem possua condições de resistência a qualquer tipo de pressão.
O reconhecimento da autonomia da
Defensoria Pública, assim como do modelo público de prestação de assistência
jurídica integral e gratuita, conta com apoio da Organização dos Estados
Americanos (OEA), por meio de sucessivas resoluções editadas nos últimos anos
(ex: Resolução 2.928/18). No mesmo sentido, a Corte Interamericana no célebre
precedente “Ruano Torres vs. El Salvador”.
Diogo Esteves e Franklyn Roger,
inclusive, sustentam que não se revela adequado afirmar que a autonomia da
Defensoria Pública teria sido criada ou concedida pelas Emendas Constitucionais
45/04, 69/12 e 74/13. Elas teriam apenas explicitado as autonomias funcional,
administrativa e financeira que já constavam implicitamente no sistema
constitucional.
Inicialmente, com a EC 45/04, passou o art. 134, §2º, da
Constituição a assegurar expressamente às Defensorias
Públicas dos Estados autonomia funcional, administrativa e financeira,
sendo excluídas do âmbito explícito de incidência as Defensorias da União e do
Distrito Federal, em incompreensível quebra de isonomia institucional.
Posteriormente, a EC 69/12, em seu art. 2º, determinou
que fossem aplicados à Defensoria do
Distrito Federal os mesmos princípios e regras que regem as Defensorias
Estaduais.
Em seguida, a EC 74/13 realizou a inclusão do §3º ao art. 134, prevendo no corpo
da Constituição que o art. 134, §2º, seria aplicável às Defensorias da União e Distrito Federal.
A autonomia funcional garante à Defensoria Pública plena liberdade de
atuação no exercício de suas funções
institucionais, submetendo-se unicamente aos limites determinados pela
Constituição, pelas leis e pela própria consciência de seus membros. Diante de
sua autonomia funcional, a instituição se encontra protegida de toda e qualquer
ingerência externa.
Por isso, “Não configura o crime de
desobediência (art. 330 do CP) a conduta de Defensor Público-Geral que deixa de
atender à requisição judicial de nomeação de defensor público para atuar em
determinada ação penal. (...) A autonomia administrativa e a independência
funcional asseguradas constitucionalmente às Defensorias Públicas não permitem
que o Poder Judiciário interfira nas escolhas e nos critérios de atuação dos
Defensores Públicos que foram definidos pelo Defensor Público-Geral.” (STJ. 6ª
Turma. HC 310901-SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 16/6/2016 - Info 586).
No mesmo sentido, quem analisa a
existência de hipótese de atuação funcional é o Defensor Público com
atribuição, não sendo admitida a interferência de qualquer autoridade pública
(incluindo o Poder Judiciário) na escolha dos destinatários dos serviços
prestados pela instituição. O reconhecimento do direito à assistência jurídica
estatal gratuita deverá ser realizado de maneira exclusiva pelo Defensor
Público. Tal afirmativa não se confunde com a possibilidade de o juiz ou
Tribunal indeferir ou revogar a concessão da gratuidade de justiça.
Nada obstante, recentemente, o STF
se manifestou no sentido de que “É inconstitucional
dispositivo da Constituição Estadual
que confere foro por prerrogativa de
função, no Tribunal de Justiça, para Procuradores do Estado, Procuradores
da ALE, Defensores Públicos e
Delegados de Polícia. A CF/88, apenas excepcionalmente, conferiu prerrogativa
de foro para as autoridades federais, estaduais e municipais. Assim, não se
pode permitir que os Estados possam, livremente, criar novas hipóteses de foro
por prerrogativa de função.” (STF. Plenário. ADI 2553/MA, Rel. Min. Gilmar
Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 15/5/2019 - Info 940). A Anadep emitiu nota, logo em
seguida, no sentido de que o referido precedente fragiliza a autonomia
funcional da instituição.
É preciso ter em mente, contudo,
que autonomia funcional e independência
funcional são institutos que, em que pese conexos, não se confundem. De
acordo com o art. 134, §4º, da CRFB, “São princípios
institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a
independência funcional”. A unidade
indica que a Defensoria deve ser vista, sob o prisma funcional, como
instituição única, compondo seus membros um mesmo todo unitário. Já a indivisibilidade, corolário da unidade,
significa que os membros da Defensoria formam um todo indivisível. Quando um
membro atua, quem na realidade está atuando é a Defensoria Pública, havendo
razoável fungibilidade entre seus membros (por isso também denominada por
alguns como “impessoalidade”). Por fim, a independência
funcional garante ao Defensor autonomia
em sua atividade-fim, funcionalmente livre de interferências, inclusive do
escalão superior da instituição, devendo obediência apenas ao ordenamento
jurídico e sua consciência.
Esta (independência funcional) constitui
princípio institucional tendente a salvaguardar o livre exercício das funções
institucionais, voltada ao Defensor individualmente, inclusive contra
ingerências da administração superior. Aquela (autonomia funcional), por sua
vez, é instituto direcionado para a Defensoria globalmente considerada,
garantindo sua autonomia frente aos demais poderes ou ingerências externas em
matérias interna corporis.
Já a autonomia administrativa permite à Defensoria Pública praticar, de
maneira independente e livre da influência dos demais poderes, atos de gestão, tais como adquirir bens
e contratar serviços, praticar atos e decidir sobre a situação funcional e
administrativa do pessoal, etc. Resta vedada, portanto, vinculação da
Defensoria a qualquer outra estrutura de Estado, reafirmando-se sua posição
como instituição extrapoder.
Nesse sentido, “É inconstitucional
lei estadual que atribui ao chefe do Poder Executivo estadual competências
administrativas no âmbito da Defensoria Pública. Assim, viola o art. 134, §2º
da CF/88 a lei estadual que preveja que compete ao Governador: a) a nomeação do
Subdefensor Público-Geral, do Corregedor-Geral, dos Defensores Chefes e do
Ouvidor da Defensoria Pública estadual; b) autorizar o afastamento de
Defensores Públicos para estudos ou missão; c) propor, por meio de lei de sua
iniciativa, o subsídio dos membros da Defensoria Pública.” (STF. Plenário. ADI
5286/AP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 18/5/2016 - Info 826). É igualmente inconstitucional
“lei estadual que traga as seguintes previsões: a) A DPE integra a
Administração Direta; b) O Governador do Estado é auxiliado pelo Defensor Geral
do Estado; c) O Defensor Público-Geral é equiparado a Secretário de Estado.” (STF.
Plenário. ADI 3965/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 7/3/2012 - Info 657).
Ou, ainda, a “legislação do Estado
de São Paulo que prevê a celebração de convênio exclusivo e obrigatório entre a
Defensoria Pública de SP e a OAB-SP. Esta previsão ofende a autonomia
funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública”. (STF. Plenário.
ADI 4163/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 29/2/2012 - Info 656). Tais
convênios são até autorizados, desde que sem obrigatoriedade, necessidade ou
exclusividade, e a critério da Defensoria, em virtude de suas autonomias.
Por fim, a autonomia financeira assegura à Defensoria Pública a “iniciativa de
sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes
orçamentárias”. Trata-se da possibilidade outorgada à instituição de delimitar,
dentro de sua própria estrutura, os recursos necessários para atender as suas
despesas, pondo a salvo das pressões econômicas passíveis de serem exercidas
pelos demais poderes.
Como decorrência, “É inconstitucional a Lei
de Diretrizes Orçamentárias que seja elaborada sem contar com a participação da
Defensoria Pública para elaborar as respectivas propostas orçamentárias. (...)
Isso porque a LDO fixa limites do orçamento anual que será destinado à
Instituição.” (STF. Plenário. ADI 5381 Referendo-MC/PR, Rel. Min. Roberto
Barroso, julgado em 18/5/2016 - Info 826).
Da mesma forma, “Governador do Estado, ao
encaminhar para a Assembleia Legislativa o projeto de lei orçamentária, não
pode reduzir a proposta orçamentária elaborada pela Defensoria Pública e que
estava de acordo com a LDO. (...) Caso o Governador do Estado discorde da
proposta elaborada, ele poderá apenas pleitear ao Poder Legislativo a redução
pretendida, visto que a fase de apreciação legislativa é o momento
constitucionalmente correto para o debate de possíveis alterações no projeto de
lei orçamentária. Não pode, contudo, já encaminhar o projeto com a proposta
alterada.” (STF. Plenário. ADI 5287/PB, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em
18/5/2016 - Info 826).
E mais: “O Governador do Estado é obrigado
a efetuar o repasse, sob a forma de duodécimos e até o dia 20 de cada mês, da
integralidade dos recursos orçamentários destinados, pela lei orçamentária, à
Defensoria Pública estadual.” (STF. Plenário. ADPF 339/PI, Rel. Min. Luiz Fux,
julgado em 18/5/2016 - Info 826).
Em outro tema caro à autonomia da
Defensoria, o STJ recentemente se manifestou no sentido de que “Os Defensores Públicos NÃO precisam de
inscrição na OAB para exerceram suas atribuições. O art. 3º, § 1º, da Lei
8.906/94 deve receber interpretação conforme a Constituição de modo a se
concluir que não se pode exigir inscrição na OAB dos membros das carreiras da
Defensoria Pública. O art. 4º, § 6º, da LC 80/94 afirma que a capacidade
postulatória dos Defensores Públicos decorre exclusivamente de sua nomeação e
posse no cargo público, devendo esse dispositivo prevalecer em relação ao
Estatuto da OAB por se tratar de previsão posterior e específica.” (STJ. 2ª
Turma. REsp 1.710.155-CE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 01/03/2018 - Info
630). Dentre os principais fundamentos:
1) Devemos lembrar que o art. 134, §1º, da CRFB, determina que a Defensoria seja
regulamentada por intermédio de Lei Complementar. Sendo o Estatuto da OAB lei
ordinária, não poderia dispor sobre a instituição (inconstitucionalidade
formal);
2) Defensor Público não é advogado. Com a
EC 80/14, essa separação ontológica entre a Defensoria e advocacia comum acabou
sendo definitivamente explicitada na Constituição, com a regulamentação em
seções distintas;
3) A capacidade postulatória dos Defensores
decorre exclusivamente da posse no cargo. Nesse sentido o art. 4º, §6º, da LC
80/94, dispositivo posterior (critério cronológico) e especial (critério da
especialidade);
4) A função constitucional exercida pela
Defensoria não comporta qualquer espécie de vinculação ou subordinação a
entidades externas.
A questão está pendente de julgamento pelo
STF nas ADIs 4.636 e 5.334. Já há, contudo, parecer da PGR no sentido da não
ingerência da OAB sobre a Defensoria Pública.
Debate também contemporâneo decorre do
entendimento consagrado no verbete 421
da Súmula do STJ: “Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria
Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual
pertença.” Recentemente, contudo, o STF, acertadamente, manifestou-se em
sentido oposto: “Após as ECs 45/2004, 74/2013 e 80/2014, passou a ser permitida
a condenação do ente federativo em honorários advocatícios em demandas
patrocinadas pela Defensoria Pública, diante de autonomia funcional,
administrativa e orçamentária da Instituição.” (STF. Plenário. AR 1937 AgR,
Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 30/06/2017). Isso porque:
1) O instituto civilístico da confusão deve
ser aplicado com cautela no âmbito do Direito Público;
2) A Defensoria Pública não pode ser
considerada como um mero órgão da Administração Direta. A Defensoria Pública
goza de autonomia funcional, administrativa e orçamentária, o que a faz ter o status de órgão autônomo. Assim, a
Defensoria Pública possui orçamento e fundos próprios, bem como autonomia para
geri-los;
3) O art. 4, XXI, da LC 80/94 é expresso no
sentido de que é função institucional “executar e receber as verbas sucumbenciais
decorrentes de sua atuação, inclusive
quando devidas por quaisquer entes públicos”.
Por fim, com o advento da EC 80/14 e a
inclusão do art. 134, §4º, o legislador
constituinte reconheceu expressamente à Defensoria sua iniciativa legislativa
em projetos de interesse da categoria. Questão extremamente controvertida,
contudo, tem sido determinar a quem pertenceria a iniciativa legislativa para a
edição de normas gerais nacionais sobre
Defensoria.
Vale lembrar que de acordo com o art. 24,
inciso XIII, da CRFB, a competência para legislar sobre assistência jurídica e
Defensoria Pública encontra-se inserida dentro da competência concorrente da
União, Estados e do Distrito Federal. Tem a União competência para fixação de
normas gerais (art. 24, §1º), enquanto aos Estados (e o DF) competem normatizar
os aspectos específicos desta matéria (art. 24, §2º).
Ressalte-se, ainda, que com a EC 69/12, a
competência para organizar a DPDF deixou de pertencer privativamente à União e
passou a integrar a esfera concorrente da União e do DF (art. 24, XIII, da
CRFB). Com isso, não cabe mais à União organizar plenamente a instituição,
cabendo ao ente (DF) normatizar os aspectos específicos da matéria.
De acordo com o art. 61, §1º, II, d, da
CRFB, são de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que
disponham sobre organização da Defensoria Pública da União, bem como normas
gerais para a organização da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal
e dos Territórios.
Por outro lado, o art. 134, §4º, da CRFB
determina que sejam aplicadas à Defensoria Pública as disposições do art. 93 e
96, II, da CRFB, que preveem a iniciativa privativa dos Tribunais para propor
projetos de lei que versem sobre matérias institucionais, como a iniciativa
privativa atribuída ao STF sobre o Estatuto da Magistratura.
Em virtude disso, uma primeira corrente
(Daniel Sarmento e Edilson Santana) vem sustentando que caberia privativamente
ao Defensor Público-Geral Federal a iniciativa legislativa para a edição de
normas gerais sobre Defensoria Pública. A superveniência da EC 80/14 teria
ocasionado a revogação tácita do art. 61, §1º, II, d, da CRFB.
Para os adeptos desta corrente, em que pese
o Defensor Público-Geral Federal não seja o chefe nacional da Defensoria
Pública, o reconhecimento de sua iniciativa privativa é mais favorável aos
interesses institucionais das próprias defensorias estaduais e distrital,
considerando-se a alternativa de atribuí-la ao Presidente, afinal, o DPGF
possui maior expertise e afinidade institucional.
Por outro lado, para uma segunda corrente
(Diogo Esteves, Franklyn Roger e Pedro Lenza), o Presidente da República
conservaria a iniciativa legislativa privativa para a edição de normas gerais
sobre Defensoria.
No campo da Defensoria, não existiria
nenhum órgão hierarquicamente superior capaz de exercer a função de
representação democrática da instituição. Não haveria aqui, portanto, simetria
estrutural com o Poder Judiciário. Embora integrem um mesmo todo orgânico
(unidade) e possuam a mesma finalidade constitucional, cada Defensoria ocupa um
plano administrativo distinto e independente. Com efeito, o DPGF exerce
unicamente a chefia da Defensoria Pública da União, não possuindo qualquer
poder hierárquico sobre a Defensoria do Distrito Federal ou dos Estados. A
permissão para que o DPGF possa oferecer projeto de lei sobre normas gerais
relativas à Defensoria fragilizaria a autonomia das Defensorias dos Estados e
DF.
Em complemento: e no que tange à produção
de normas específicas relativas às
Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal? Aqui também
subsiste controvérsia. Para uma primeira corrente (Frederico Rodrigues Viana de
Lima, Edilson Santana e decisão monocrática do Ministro Ricardo Lewandowski na
ADI 5.217), caberia privativamente aos Defensores Públicos-Gerais dos Estados e
do Distrito Federal a iniciativa legislativa para a edição de normas
específicas sobre as respectivas instituições.
Para uma segunda corrente (Pedro Lenza), as
normas relativas à organização específica das DPEs e DPDF serão de iniciativa
concorrente entre os respectivos Governadores e Defensores Públicos-Gerais.
Luís Henrique Linhares Zouein, Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro.
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