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DIREITO DE REUNIÃO E COMUNICAÇÃO PRÉVIA ÀS AUTORIDADES

Olá, leitores do site do Eduardo Gonçalves. Hoje vamos comentar um tema que está sob a apreciação do STF no âmbito do RE 806339/SE. É o tema do direito de reunião previsto no art. 5º, XVI, da Constituição da República de 1988:

“Art. 5º. (…)
(…)
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;”

Pela leitura do inciso acima transcrito percebe-se que o Constituinte Originário garantiu o direito de reunião como direito individual mas de exercício coletivo e elencou alguns requisitos: a) reunião tem que ser pacífica e sem armas; b) em locais abertos ao público; c) não é necessária autorização judicial; d) não pode prejudicar outra reunião convocada anteriormente para o mesmo local; d) exigência de aviso prévio à autoridade competente.

Além disso, para Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco [Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 12. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2017. – (Série IDP)], o direito de reunião constitucionalmente previsto possui alguns elementos, a saber: 
a) FORMAL: a reunião deve ostentar um mínimo de coordenação, ou seja, a aglomeração de pessoas não pode ser aleatória, mas resultado de uma convocação prévia para algum lugar; 

b) TELEOLÓGICO: as pessoas que dela participam comungam de um fim comum, que pode ter cunho político, religioso, artístico ou filosófico; 

c) TEMPORAL: o direito à reunião é necessariamente transitório, passageiro sob pena de se transmudar em associação; 

d) OBJETIVO: pacífica e sem armas. Parcela considerável da doutrina defende ainda que a reunião tem que ser lícita já que “o direito de reunião suprime os poderes da Administração de intervir em atividades privadas desde que um número suficiente de pessoas decidam realizá -las”; 

e) ESPACIAL: embora possa ser dinâmica, quando há o deslocamento das pessoas por vias públicas, a reunião possuirá sempre um local determinado, delimitado, específico para conglomerar as pessoas.

Mas afinal de contas o que a Suprema Corte está decidindo nos autos do Recurso Extraordinário acima referido? Está analisandoa exigência de aviso prévio à autoridade competente como pressuposto para o legítimo exercício da liberdade de reunião”.

E aí? O que vocês acham? Será que o aviso prévio é condição imprescindível para o exercício legítimo do direito de reunião? Em caso positivo, deve obedecer a algumas formalidades específicas? E se não houver aviso prévio, a reunião torna-se ilegal?

Vamos tentar responder estes questionamentos.

Em primeiro lugar, vale destacar que a Suprema Corte ainda não finalizou o referido julgamento. Portanto, é um processo que merece atenção dos concurseiros pois tem grandes chances de cair em qualquer concurso.

Voltando ao caso, de que cuida o 806339/SE?

Cuida de Recurso Extraordinário apresentado por Sindicato de Petroleiros tendo em vista o deferimento de interdito proibitório ajuizado pela UNIÃO e confirmado pelo TRF da 5ª Região com o fim de proibir protesto na área correspondente ao trecho da BR-101 que interliga os Estados de Alagoas e Sergipe, localizado no Município de Propriá/SE.

Neste recurso houve início do julgamento, que foi interrompido por pedido de vistas do Ministro Presidente Tofolli. O julgamento está da seguinte maneira:

a) O Ministro Relator Marco Aurélio, os Ministros Alexandre de Moraes e Fux votaram por negar provimento do Recurso Extraordinário aduzindo, em suma, o seguinte:

  • não houve aviso prévio à autoridade competente e ocorreu a obstrução total do fluxo de rodovia. O fato de ter sido colocado em rede social que haveria a manifestação não substitui a necessidade do aviso;
  • A comunicação antecipada possibilita a compatibilidade entre os direitos fundamentais, a harmonização do direito de reunião, da manifestação, da livre expressão dos grupos que queiram se manifestar com os direitos fundamentais daqueles que não participam da reunião, ou seja, do restante da sociedade. Nesse sentido, os movimentos reivindicatórios não podem impedir, de forma absoluta, o livre acesso das pessoas a aeroportos, rodovias e hospitais, em flagrante desrespeito à liberdade constitucional de locomoção, colocando em risco a harmonia, a segurança e a saúde pública. Ainda que, para o debate de ideias, seja preciso gerar incômodo, ele não pode obstruir de maneira absoluta os demais direitos. Desse modo, o bloqueio integral do tráfego em rodovias e vias públicas representa abuso do exercício do direito de reunião e livre manifestação;

  • A comunicação prévia em prazo razoável é requisito para o regular exercício do direito de reunião. O poder público não pode impedir a manifestação, mas a falta do aviso, eventualmente, possibilita a responsabilização civil dos organizadores por prejuízos gerados ao erário e a particulares, que poderiam ser evitados se houvesse uma organização anterior;

  • A ausência de aviso prévio torna a reunião ilícita (argumento do Ministro Marco Aurélio);


b) os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski votaram pelo provimento do Recurso Extraordinário sob os seguintes fundamentos;

  • há uma estreita ligação entre o direito de reunião e a liberdade de expressão. Assim sendo, e considerando que há uma primazia da liberdade de expressão, não é possível interpretar a exigência de aviso prévio como condicionante ao seu exercício;

  • a regulamentação do direito de reunião não pode ter por finalidade criar uma base para proibir a reunião ou manifestação, consoante consignado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O único sentido possível para essa exigência é precisamente o de permitir que o poder público zele para que o exercício do direito se dê de forma pacífica e não frustre outra reunião no mesmo local, sendo suficiente, para tanto, notificação efetiva. Desta forma, a ausência de notificação não torna ilícita a reunião tão somente por esta omissão;

  • em uma sociedade democrática, o espaço público não é apenas um lugar de circulação, mas também de participação. Não por acaso, a Comissão Interamericana assentou que, conquanto o exercício do direito de reunião possa causar distúrbios na rotina normal da vida, ou ainda que afete a liberdade de circulação, tais distúrbios são parte da mecânica de uma sociedade plural em que interesses divergentes e às vezes conflitantes coexistem e encontram os fóruns em que podem se expressar. Noutras palavras, há um custo na convivência democrática e é em relação a ele que eventual restrição deve ser estimada;

  •  a eventual ausência de prévio aviso para o exercício do direito de reunião não transforma a manifestação em ato ilícito, ainda quando possa gerar algum tipo de responsabilização. A apresentação do prévio aviso é, eventualmente, obrigação que, analogicamente, seria acessória. A comunicação não é requisito para a existência do direito. Além disso, o poder público pode, legitimamente, impedir o bloqueio integral de via pública para assegurar o direito de locomoção de todos. O direito de reunião e de manifestação de qualquer pessoa ou grupo não é absoluto e precisa conviver harmonicamente com o direito das demais pessoas.

Sobre este tema, direito de reunião, importante lembrar da célebre decisão da Suprema Corte no caso da “Marcha da Maconha” abaixo transcrita:

"Marcha da Maconha". Manifestação legítima, por cidadãos da República, de duas liberdades individuais revestidas de caráter fundamental: o direito de reunião (liberdade-meio) e o direito à livre expressão do pensamento (liberdade-fim). A liberdade de reunião como pré-condição necessária à ativa participação dos cidadãos no processo político e no de tomada de decisões no âmbito do aparelho de Estado. Consequente legitimidade, sob perspectiva estritamente constitucional, de assembleias, reuniões, marchas, passeatas ou encontros coletivos realizados em espaços públicos (ou privados) com o objetivo de obter apoio para oferecimento de projetos de lei, de iniciativa popular, de criticar modelos normativos em vigor, de exercer o direito de petição e de promover atos de proselitismo em favor das posições sustentadas pelos manifestantes e participantes de reunião. Estrutura constitucional do direito fundamental de reunião pacífica e oponibilidade de seu exercício ao poder público e aos seus agentes. Vinculação de caráter instrumental entre a liberdade de reunião e a liberdade de manifestação do pensamento. Dois importantes precedentes do STF sobre a íntima correlação entre referidas liberdades fundamentais: HC 4.781/BA, rel. min. Edmundo Lins, e ADI 1.969/DF, rel. min. Ricardo Lewandowski. A liberdade de expressão como um dos mais preciosos privilégios dos cidadãos em uma república fundada em bases democráticas. O direito à livre manifestação do pensamento: núcleo de que se irradiam os direitos de crítica, de protesto, de discordância e de livre circulação de ideias. Abolição penal (abolitio criminis) de determinadas condutas puníveis. Debate que não se confunde com incitação à prática de delito nem se identifica com apologia de fato criminoso. Discussão que deve ser realizada de forma racional, com respeito entre interlocutores e sem possibilidade legítima de repressão estatal, ainda que as ideias propostas possam ser consideradas, pela maioria, estranhas, insuportáveis, extravagantes, audaciosas ou inaceitáveis. O sentido de alteridade do direito à livre expressão e o respeito às ideias que conflitem com o pensamento e os valores dominantes no meio social. Caráter não absoluto de referida liberdade fundamental (CF, art. 5º, IV, V e X; Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 13, § 5º.).[ADPF 187, rel. min. Celso de Mello, j. 15-6-2011, P, DJE de 29-5-2014.]

Então é isso. Qual é a opinião de vocês? Deixem aí nos comentários. O julgamento do RE  806339/SE ainda não está finalizado mas este tema é de suma importância para os concursos.


Espero que gostem.



Bons estudos.



Hayssa Medeiros, em 24/01/2019.

No twitter: @hayssakmedeiros
No instagram: @hayssamedeiros

6 comentários:

  1. É preciso harmonizar o direito de reunião com os direitos daqueles que não foram convocados a participar do ato. O interesse de um grupo, geralmente menor, não pode superar o interesse do restante da população. O aviso prévio pode até ser tido como obrigação acessória, mas é inegável que ele viabiliza melhores condições para que a Administração Pública local possa se adequar e deixar o ambiente de manifestação mais seguro e livre de várias ocorrências conflituosas, de modo que tudo possa ocorrer de forma mais tranquila em prol da pacificação social. Especialmente no caso de bloqueio de uma rodovia, é plausível considerar que um pequeno movimento de trabalhadores não pode ser entrave para a circulação de milhares de veículos que precisam transitar pelo trajeto escolhido pelos idealizadores da reunião. Os prejuízos em termos de impacto econômico, segurança e saúde são de difícil mensuração. Subentende-se que não praticar o aviso prévio é uma afronta ao princípio do interesse público, posto que rompe com os propósitos de harmonia social, bem como os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, e configuraria abuso quanto ao exercício do direito de reunião.

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  2. Estou com a segunda corrente (com os os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski), sem dúvida.

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  3. Tema muito pertinente! Me identifico com o posicionamento por primeiro apresentado, ou seja, de que a comunicação prévia deveria ser imprescindível ao ato. É claro que todo caso deve ser analisado de forma individual, em especial a hipótese objeto do RE em tela. Não se trata apenas uma "mera reunião", mas sim de uma movimentação que pretendia bloquear a BR-101 que liga ambos os Estados. A meu ver, ainda que se deva respeitar o direito fundamentação da liberdade de expressão e o direito a reunião, não se pode, por outro lado, ignorar os mais diversos direitos fundamentais de toda a coletividade que serão afetados com referida paralisação. São pessoas (indetermináveis) que serão obstadas de chegar ao trabalho, hospitais entre outros para assegurar o direito de uma minoria determinada. Diferente da reunião em uma praça pública, em que a livre manifestação não causará nenhum "efeito colateral" para a coletividade. Em um juízo de proporcionalidade, é muito mais lesivo para sociedade do que benéfico. Neste ínterim, uma manifestação como a exposta (na BR 101), previamente comunicada, possibilitaria a organização pelo Poder Público do evento e a busca de uma alternativa para todos aqueles que poderiam ser afetados pela manifestação.

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  4. O requisito de prévio aviso foi manifestação do poder constituinte originário. Cabe ao STF acatá-lo.

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  5. @futurompf de fato o PCO fez constar como requisito essencial ao direito de reunião o prévio aviso (pensamento que coaduno), todavia, como já feito em outras oportunidades, o STF pode fazer uma interpretação do dispositivo conforme a Constituição e acabar modificando o sentido do inciso XVI do artigo 5º, por isso o argumento de que " o PCO fez constar na CF" é muito frágil e de fácil superação.

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  6. Olá! Ao pessoal que quer começar a estudar no longo prazo para magistratura, pelos editais esquematizados, convém aguardar a atualização de junho de 2019 ou não há muito prejuízo em adquirir a edição de 2018? Gostaria de iniciar os estudos imediatamente, mas tenho receio de perder muito adquirindo a edição do ano passado.

    Obrigado!

    Calleb

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